Artigo 155 do CPP e a prova no processo penal. Trata-se de dispositivo fundamental para entender o que é prova, como ela é produzida e suas limitações.
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Objeto, comunhão dos meios de prova e provas do inquérito
Objeto da prova:
Não é apenas a hipótese delitiva contida na denúncia que é objeto da prova, mas toda tese relevante para a aplicação da lei penal, e suas circunstâncias, que surgir no curso do processo, seja ela favorável à defesa ou à acusação.
Comunhão dos meios de prova:
Significa não apenas que as partes e o juiz podem levar provas aos autos, como também que a prova, uma vez autuada, aproveita a todos.
Provas do inquérito:
As provas do inquérito valem para o convencimento, desde que repetidas em juízo e se encontrem em harmonia com as coletadas durante a instrução processual. Podem ser úteis tanto à acusação quanto também à defesa. Se confirmadas pela instrução processual, favorecem a acusação. Já se em contradição e desarmonia, contribuem para a declaração de inocência. Ver título Valor probatório do inquérito, em comentários ao artigo 4º do CPP.
Doutrina
Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa: Contaminação (in)consciente do julgador e a exclusão física do inquérito. Conjur
Gustavo Badaró: Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e relevância. Badaroadvogados.
Jorge Emanuel Mendes Valente Dias: Considerações sobre a Prova e Contraditório na Fase de Instrução no Processo Penal.Universidade Portucalense.
Luciano André da Silveira e Silva: O agente infiltrado. Estudo comparado da legislação da Alemanha, Brasil e Portugal. Universidade de Coimbra.
Henrique Hoffmann Monteiro de Castro: Lei 13.441/17 instituiu a infiltração policial virtual. Conjur.
Jurisprudência
Comprovação da menoridade de vítima de crimes sexuais: Nos crimes sexuais contra vulnerável, a inexistência de registro de nascimento em cartório civil não é impedimento a que se faça a prova de que a vítima era menor de 14 anos à época dos fatos (STJ, AgRg no AREsp 12.700-AC, voto vencedor Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme – Desembargador convocado do TJ/SP – , Rel. para acórdão Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/3/2015, DJe 5/6/2015 – Informativo 563).
As provas inicialmente produzidas na esfera inquisitorial e reexaminadas na instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa, não violam o artigo 155 do Código de Processo Penal – CPP visto que eventuais irregularidades ocorridas no inquérito policial não contaminam a ação penal dele decorrente. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).
Acórdãos:
AgRg nos EDcl no AREsp 1006059/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 20/03/2018, DJE 02/04/2018
AgInt no AREsp 1168591/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/02/2018, DJE 28/02/2018
HC 381186/DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/09/2017, DJE 06/10/2017
AgRg no AREsp 609760/MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 21/03/2017, DJE 29/03/2017
HC 371739/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06/12/2016, DJE 02/02/2017
AgRg no HC 256894/MT, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 14/06/2016, DJE 30/06/2016
Perícias e documentos produzidos na fase inquisitorial são revestidos de eficácia probatória sem a necessidade de serem repetidos no curso da ação penal por se sujeitarem ao contraditório diferido. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ). Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).
Acórdãos:
AgRg no REsp 1522716/SE, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 20/03/2018, DJE 05/04/2018
AgRg no AREsp 1032853/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 27/02/2018, DJE 07/03/2018
AgRg no AREsp 521131/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 08/02/2018, DJE 21/02/2018
HC 413104/PA, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 08/02/2018, DJE 15/02/2018
AgRg no AREsp 814370/PE, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/09/2017, DJE 27/09/2017
AgRg no AREsp 312502/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/06/2017, DJE 01/08/2017
Pronúncia fundamentada exclusivamente no inquérito: É ilegal a sentença de pronúncia fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial (HC 589.270/GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/02/2021).
O que precisa e o que não precisa ser provado
Fato notório
Fato de conhecimento amplo, de todos. Não precisa ser provado.
Fato presumido por lei
Não precisa ser provado. A inimputabilidade do menor de 18 anos, por exemplo.
Fatos irrelevantes ou impertinentes
Os fatos irrelevantes não precisam ser provados. O juiz pode indeferir a prova destes. Fatos irrelevantes são os que não guardam relação com as teses, e suas circunstâncias, debatidas no processo e cuja prova de nada serve para a solução da causa.
Fatos evidentes
São manifestos, óbvios, não há por que prová-los duplamente.
Prova de legislação
O artigo 376 do CPC dispõe que ”a parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar”.
Fatos alegados e não contestados
Ao contrário do que se verifica com os direitos disponíveis no processo civil, a alegação não contestada no processo penal não se presume verdadeira. Tal regra é consequência do princípio da verdade real.
Fatos incontroversos
A situação de não haver controvérsia sobre determinado fato ou circunstância não resulta na presunção de que ela seja verdadeira. O incontrovertido precisa ser provado. Prevalece a verdade real. Não há disposição das partes sobre a verdade.
Doutrina
Gustavo Badaró: Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e relevância. Badaró advogados.
Eduardo Cambi. O direito à prova no processo civil. br. revistas.ufpr.br.
Meios de prova
Meios de prova
São as formas ou ações que conduzem à obtenção de prova. Entre outras, tem-se a prova documental, a testemunhal, a pericial, a inspeção judicial, o interrogatório.
Fatos de conhecimento particular do juiz
]Não podem ser levados em consideração para decidir, do contrário haveria prejuízo para a ampla defesa e para o contraditório.
Liberdade probatória
A liberdade probatória não é absoluta. Sofre limites quanto ao estado das pessoas em que vale a lei civil. As provas não podem ser obtidas por meios ilícitos.
Prova emprestada
É admitida a prova que se traz de outro processo. Todavia, se as mesmas partes não participaram do outro processo, seu valor é reduzido.
Apresentação de documento novo no julgamento pelo júri
Durante o julgamento não é permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte (artigo 479). Na expressão documento não se incluem livros de doutrina ou textos de jurisprudência.
Doutrina
Gustavo Badaró: Prova emprestada no processo penal e a utilização de elementos colhidos em Comissões Parlamentares de Inquérito. Badaró advogados
Como se prova
Prova da morte:
Artigo 62: “No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade”,
Prova de menoridade
Súmula 74 do STJ – “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”. Logo, não é indispensável a apresentação de certidão de nascimento. É suficiente documento hábil para prova da menoridade.
Controvérsia sobre o estado civil de pessoa
Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente (artigo 92).
Indícios, convicção e prova
Desvendando a natureza dos indícios:
Indício é a circunstância que sugere a existência, a ocorrência passada ou futura de um determinado fato. Assim como nuvens escuras e carregadas podem sinalizar a iminência de chuva, ou o canto de um galo pode indicar o amanhecer, o indício se caracteriza por sua capacidade de apontar para algo que, embora não plenamente certo, é provável. A força do indício varia conforme a regra da experiência, isto é, segundo o conhecimento comum e a observação empírica. Em determinadas situações, a intensidade de um indício pode ser tal que, isoladamente, seja suficiente para gerar convicção, elevando-se ao status de prova. Contudo, é importante destacar que, na maioria das vezes, o indício, por si só, não atinge a condição de prova plena. Para tanto, faz-se necessária uma interação, coerência e um nexo lógico entre múltiplos indícios, que se complementam e reforçam mutuamente, formando um conjunto harmonioso que conduz à convicção. Essa convicção, por sua vez, é o elemento subjetivo essencial para a caracterização da prova.
A Formação da Prova: O Conjunto de Indícios
Um indício isolado pode não ser suficiente para comprovar um fato, mas a agregação de indícios pode constituir uma prova robusta. Imagine-se alguém caminhando por uma calçada e observando bolinhas verdes de sementes de cinamomo no chão. Essas sementes constituem um indício de que se está sob uma árvore dessa espécie. Se o céu estiver ensolarado e houver sombra sobre a calçada, adiciona-se outro indício que corrobora essa suposição. Caso não haja edifícios ou construções altas que justifiquem a sombra, a força probatória desse conjunto de indícios cresce ainda mais. O odor característico da árvore exalando-se no ar é mais um elemento que contribui para a formação da convicção. Assim, com base no conjunto de indícios presentes, o observador pode afirmar, com segurança, a existência de uma árvore de cinamomo sobre ele. Isso porque a prova se configura pela soma de indícios que, em conjunto, autorizam a convicção acerca de um fato.
Convicção: A Força Motriz na Superação da Incerteza
Convicção é o convencimento que se impõe sobre a dúvida, gerando a certeza subjetiva quanto à ocorrência de um fato. Embora esteja alicerçada nas indispensáveis lógica e racionalidade, a convicção frequentemente se mistura a elementos irracionais, como a crença ou a fé. Sua existência é ancestral, intrínseca à própria natureza humana, sendo indispensável para a tomada de decisões e para a sobrevivência. Nossos antepassados, há mais de um milhão de anos, diante de escolhas que exigiam uma decisão rápida, como optar por colher ou não uma fruta no chão, estando um predador se aproximando, praticavam ou não a ação. A ação que resultasse da opção só podia ser obra de convicção. Escolhas não eram aleatórias. Se fossem, a sobrevivência dependeria da sorte de ter feito escolhas fortuitas. A convicção é um guia. Ainda que rudimentar, guiava essas decisões primárias. Nos tempos modernos, o processo-crime também exige que, em determinados momentos, como ao avaliar um elemento probatório ou ao proferir a sentença, a incerteza seja substituída pela convicção, permitindo que se tome uma decisão fundamentada. Não há, em tese, condenação sem convicção, sem certeza. O homem, naturalmente, pratica atos decisórios e importantes com convicção. Do contrário, há inquietude. Nesse sentido, o filósofo francês Paul Valéry expressa com precisão: “A convicção é a palavra que permite colocar, com consciência tranquila, a força a serviço da incerteza.”
O Conceito de Prova: Uma Construção
O conceito de prova possui importância central no âmbito jurídico. Todavia, a doutrina frequentemente confunde prova com meio de prova. Para Frederico Marques, a prova no processo penal é o meio pelo qual se busca convencer o julgador acerca da verdade de um fato. Segundo Tourinho Filho, prova é o conjunto de elementos que trazem ao processo a demonstração da verdade sobre os fatos em litígio. Para Aury Lopes Jr., a prova é o meio processual pelo qual se estabelece a verdade sobre fatos relevantes para a decisão do juiz. Com clareza é possível verificar que Frederico Marques, Tourinho filho, Aury Lopes, em suas definições, não definem prova, mas qualificam meios de prova, isto é, algo com o qual se busca demonstrar um fato.
Já Guilherme Nucci conceitua prova como o conjunto de atos realizados para a reconstrução de um fato ou circunstância relevante para o julgamento, e Paulo Rangel define prova como o conjunto de atos praticados no processo penal com o objetivo de formar a convicção do julgador sobre os fatos alegados pelas partes. Nucci e Paulo Rangel, como é observável, por igual, não definem prova, mas a produção de prova, ou seja, a prova é produzida por meio de um conjunto de atos processuais.
De qualquer maneira, estão todos bem acompanhados, pois são reconhecidos processualistas, todavia, não nos parece que estejam com a razão quando se trata de conceituar prova. A prova, propriamente dita, não se restringe ao que se utiliza para demonstrar um fato (meio de prova) ou o que se pratica para produzi-la, mas sim diz respeito ao efeito persuasivo que um conjunto de indícios pode gerar em relação a um fato. Esse fato pode ser passado, presente ou futuro. Se for a hipótese delitiva contida na inicial acusatória é um fato pretérito, e as provas visam elaborar uma reconstrução histórica. O conceito de prova que se propõe é: Prova é o conjunto de indícios que autorizam a convicção quanto à existência de um fato. Deve-se salientar que a mera convicção, desprovida de indícios, carece de valor jurídico. A prova só se configura quando os indícios, interligados e convincentes, conferem legitimidade à convicção – o elemento subjetivo da prova, sentido pelo sujeito. Indícios, por maiores que sejam em quantidade, se não geram uma subjetividade de convicção, não se qualificam como prova. Mas não bastam os indícios e a convicção pessoal. A convicção necessita ser validada pelo senso comum, pelas regras da experiência e pelas probabilidades. Convicção pessoal não validada não faz prova.
Os elementos essenciais da prova
Expostas essas ideias a conclusão é que os elementos que compõem a prova são quatro: 1 – conjunto de indícios que se complementam; 2 – convicção enquanto elemento subjetivo; 3 – autorização da convicção; 4 – fato.
Distinguindo prova ilícita de nulidade
Ver esse mesmo título em comentários ao artigo 157.
Vídeo
Flavio Meirelles Medeiros: Em todo processo a prova é indiciária.
Doutrina
Flavio Meirelles Medeiros: No processo penal, convicção, indícios e provas são coisas diferentes. Conjur.
Distinguindo prova e indícios
Confusões entre prova e indícios
A distinção entre prova e indícios frequentemente gera confusão no âmbito jurídico. Em termos técnicos, o indício é uma circunstância que aponta para a existência de um fato. No entanto, quando um indício, por si só, é capaz de convencer sobre a ocorrência de um determinado fato, ele também pode ser considerado uma prova.
Por exemplo, o auto de necropsia é um indício. No entanto, ao ser suficientemente convincente sobre a ocorrência da morte, ele também prova esse fato. Este é um caso onde um indício, isoladamente, constitui prova.
Na prática, a prova de um fato é muitas vezes formada por um conjunto de indícios, que se apoiam e complementam mutuamente, reforçando a credibilidade um do outro. A dúvida surge: o depoimento de uma testemunha seria uma prova ou um indício? A resposta depende do contexto. O depoimento pode valer como prova em relação a um fato narrado, e como indício em relação a outro. Tudo depende da verossimilhança do depoimento e de sua coerência com o restante do conjunto probatório.
É importante ressaltar que documentos, depoimentos e perícias apresentados em um processo são meios de prova, mas não são, em si, provas. A prova surge quando os indícios reunidos têm potencial suficiente para gerar convicção sobre a existência de um fato. Por isso, afirmar que a prova indiciária é apenas um tipo de prova é um erro. No processo penal, a prova indiciária é, muitas vezes, a principal forma de prova, sendo a regra, e não a exceção.
Doutrina
José Francisco Cagliari: Prova no Processo Penal. revistajustitia.com.br.
O processo de avaliação da prova e de decisão
Da racionalidade à convicção:
O processo mental de julgamento deve ser conduzido com base na racionalidade. Ao analisar as provas, o juiz precisa ponderar as probabilidades para determinar se o acusado é culpado ou inocente. Embora o juiz não realize cálculos matemáticos formais, como os do binômio de Newton ou estatísticas complexas, a decisão é sempre fundamentada em uma ponderação racional de probabilidades, consciente ou inconsciente.
Ao final do processo, o magistrado se depara com um acervo probatório que poderá sustentar tanto a tese acusatória quanto a defensiva. A função do juiz será avaliar o grau de probabilidade de cada tese, considerando os indícios e contradições existentes.
Quando ocorre uma condenação, o processo de ponderação de probabilidades resulta em uma convicção. Nas palavras de Paul Valéry, a convicção é “a palavra que permite pôr, com a consciência tranquila, o tom da força ao serviço da incerteza.” Já na absolvição, geralmente o juiz não consegue alcançar essa convicção de culpa. Em alguns casos, ele pode até considerar a inocência provada, embora isso seja menos comum.
Quanto mais elaborado for o processo racional do juiz, mais cuidadosa será a análise das provas e maior será a qualidade da prestação jurisdicional. Isso ocorre porque, à medida que a convicção surge, o processo racional tende a se reduzir. Quando a convicção é plena, a razão cede espaço à crença. Por isso, a passionalidade é uma característica indesejada em juízes, pois ela encurta a racionalidade e acelera a chegada de convicções. Assim, as qualidades desejáveis em um magistrado são a serenidade e o equilíbrio, que, ao contrário da paixão, permitem que as convicções sejam adiadas e melhor fundamentadas.
Convicção não é capricho subjetivo
A convicção judicial não é um capricho subjetivo isolado da realidade. Para que o juiz possa formar sua convicção, é necessário que existam indícios suficientes que a justifiquem. A convicção deve estar enraizada em uma avaliação criteriosa do contexto indiciário, e não ser fruto de subjetivismo.
Os indícios que autorizam a convicção devem ser legitimados por regras da experiência, do bom senso, e das probabilidades. Portanto, o processo de decisão do juiz está condicionado à análise desses fatores, sempre buscando a racionalidade e a objetividade no julgamento.
Doutrina
Alana Stefanello Gonçalves: Valoração da prova no processo penal: aplicabilidade do standard probatório beyond a reasonable doubt no direito brasileiro. Universidade Federal da Bahia.
Andrea Galhardo Palma: Breve análise comparativa dos modelos de valoração e constatação da prova penal. tjsp.jus.br. Standards probatórios – no Brasil, nos EUA e na Itália: crítica à regra beyond any reasonable doubt ou oltre ragionevole dubbio (além da dúvida razoável).
Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa: Sobre o uso do standard probatório no processo penal. Conjur.
José Paulo Baltazar Junior: Standards probatórios no processo penal. bdr.sintese.com.
Princípio da verdade real
Verdade Formal no Processo Civil
No processo civil, o juiz, ao decidir os casos que lhe são submetidos, geralmente se baseia nas provas e alegações apresentadas pelas partes. Prevalece a verdade formal, também conhecida como verdade convencional, fracionada e limitada. Como ressalta Hellwig, o Estado, no processo civil, delega às partes a responsabilidade de garantir que a sentença reflita a realidade jurídica da situação. Desse modo, a sentença pode não corresponder à verdade real sem que isso seja considerado um problema significativo (apud TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1977, v. I, p. 346).
Verdade Real no Processo Civil
Embora, no processo civil, o juiz costume seguir a verdade apresentada pelas partes, há situações em que ele deve ir além, especialmente quando existe interesse público envolvido. Na ausência desse interesse, o magistrado tem o direito, mas não a obrigação, de investigar a verdade real, pois o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 370, concede ao juiz a faculdade de determinar a produção de provas de ofício .Entretanto, quando o interesse público está presente, há o dever de buscar a verdade real. Exemplos de processos que exigem essa busca incluem aqueles que tratam de incapazes, estado civil, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições testamentárias.
Verdade Real no Processo Penal
No processo penal, vigora o princípio da verdade real, uma vez que há sempre um interesse público na correta solução dos litígios penais. Com a adoção expressa do princípio acusatório pelo Código de Processo Penal, a possibilidade de o juiz determinar diligências de ofício foi limitada. Todavia, ao contrário do entendimento que vem sendo apregoado, isso não significa que o processo penal tenha deixado de procurar reconstruir a história com o objetivo de verificar se há prova que sustente a tese acusatória descrita na denúncia.
Quem busca a verdade no processo penal não é diretamente o juiz, mas o processo, que, por meio de sua conformação dialética (contraditória), procura aproximar-se ao máximo da verdade, embora reconheça que conhecê-la plenamente seja algo inviável. Mesmo nos crimes de ação privada, o interesse público continua a prevalecer, e o processo mantém sua função de buscar a verdade.
Segundo Florian, a verdade real, também chamada de verdade material, substancial, histórica ou objetiva, é o objetivo central do processo penal, que visa a justa aplicação da lei: punir os culpados e absolver os inocentes, com base no que realmente aconteceu e nas intenções dos envolvidos (FLORIAN, Eugenio. Elementos de Derecho Procesal Penal. Barcelona: Bosch, 1993, p. 59).
Essa verdade é descrita por Allegra como a “adequação do intelecto com o fato conhecido, ou o conhecimento em conformidade com o fato que representa” (apud MAYNEZ, Eduardo Garcia. Introducción al Estudio del Derecho, 26ª ed. México: Porrúa, 1977, v. II, p. 90). Isso implica que o processo penal deve investigar todos os fatos relevantes, indo além da mera identificação da autoria do crime, analisando antecedentes, personalidade, grau de culpa, motivações e consequências do delito, para aplicar a pena de maneira justa. Até mesmo a condição financeira do réu é considerada para fixar a multa de forma equitativa.
O princípio da livre convicção no processo penal garante que as provas não tenham valor predeterminado. Por exemplo, o juiz não está vinculado às conclusões de um laudo pericial e pode divergir delas. Esse princípio, aliado ao da imedição — que assegura o contato direto do juiz com as fontes de prova —, reforça o princípio da verdade real.
Confronto: Verdade Real no Processo Penal e Verdade Formal no Processo Civil
No processo civil, mesmo após o trânsito em julgado, é possível tentar modificar a decisão por meio da ação rescisória, desde que respeitado o prazo legal. No processo penal, entretanto, não há esse limite. A revisão criminal, que se assemelha à ação rescisória, pode ser proposta a qualquer momento, inclusive após o cumprimento da pena. Esse fator ressalta a prevalência da verdade real no processo penal, que ultrapassa os limites da coisa julgada.
Outro contraste notável é o tratamento dado à confissão. No processo penal, a confissão tem valor relativo e deve ser analisada em conjunto com outras provas. Já no processo civil, a confissão tende a ter um valor quase absoluto, exceto em casos que envolvem direitos indisponíveis, onde há interesse público. Além disso, a revelia no processo civil resulta na confissão dos fatos alegados pela parte contrária, o que não ocorre no processo penal.
Exceções à Verdade Real no Processo Penal
Embora o princípio da verdade real seja o pilar do processo penal, existem exceções importantes. Uma delas é a impossibilidade de reabrir um processo para condenar um réu que tenha sido absolvido, mesmo que surjam novas e conclusivas provas de sua culpa. Uma vez que a sentença tenha transitado em julgado, prevalece a verdade formal por questões de segurança jurídica.
Outra exceção ocorre quando o réu é absolvido em primeira instância e não há recurso da acusação. Mesmo que novas provas sejam apresentadas, se o recurso tiver sido interposto apenas pela defesa, o tribunal não poderá condená-lo. Embora seja raro, é possível que um réu recorra de uma absolvição reclamando o reconhecimento de nsuficiência de provase e obtém uma decisão de que o fato imputado não constitui crime ou de que ele não é o autor.
A busca da verdade real não incentiva a inquisitoriedade no processo
O Princípio da Verdade Real Não Torna o Processo Inquisitorial
A adoção do princípio da verdade real no processo penal não implica, de forma alguma, a transformação do processo em um modelo inquisitorial, nem incentiva a atuação inquisitiva por parte do juiz. Isso ocorre porque a melhor maneira de se aproximar da verdade, ou seja, de chegar o mais próximo possível da verdade, é por meio do método dialético — isto é, o método em que duas partes se contrapõem e um terceiro imparcial, distante, assiste e decide. É assim que a busca pela verdade deve ser conduzida no processo penal.
A busca pela verdade real é realizada de acordo com as regras do processo acusatório, conforme previsto na Constituição Federal. Quando o juiz intervém ativamente na investigação, compromete sua imparcialidade, distorcendo a própria busca pela verdade. O fato de o processo penal ter como objetivo a busca pela verdade real não significa que ele tenha uma configuração inquisitiva. Na verdade, a configuração inquisitiva vai em sentido oposto ao que estabelece a Constituição Federal, que garante um processo acusatório (art. 129, I, da CF) e assegura o contraditório.
Quando o juiz assume um papel de inquisidor, começa a violar a Constituição Federal e distorce a verdade que o processo deve buscar. A busca pela verdade no processo penal deve ser feita de acordo com os elementos trazidos aos autos, e o juiz não pode julgar com base em conhecimentos obtidos fora do processo. Ele deve decidir com base nas provas produzidas e autuadas. O juiz não pode, por exemplo, conduzir uma investigação própria, como se estivesse fora do processo, para “caçar” a verdade. Entretanto, isso não significa que o processo, em si, não esteja estruturado para buscar a verdade real.
Um exemplo disso é o exame de corpo de delito, que é obrigatório em determinados casos e serve como um meio de garantir que a verdade real seja alcançada por meio de provas concretas. O Código de Processo Penal, ao exigir essa diligência, mostra como o processo é desenhado para garantir que as provas necessárias à justa decisão sejam colhidas.
Conclusão
O processo penal tem como fim verificar se existem indícios suficientes que comprovem a hipótese delitiva descrita na denúncia. Para atingir esse objetivo, adota duas premissas fundamentais:
- Veda a investigação de ofício pelo juiz, preservando sua imparcialidade;
- Veda decisões baseadas em conhecimento extra-autos, garantindo que a decisão seja fundamentada exclusivamente nas provas produzidas dentro do processo.
Portanto, a verdade real é buscada, mas a decisão judicial é baseada na verdade formal dos autos, ou seja, nas provas que estão regularmente autuadas. Note-se bem, Luigi Ferrajoli, bastante referido pela doutrina quando é examinado o presente tema, faz uso da expressão “verdade formal” para referir a verdade que está e é reconstruída dentro dos dos autos do processo.
Recentes Críticas ao Princípio da Verdade Real
Em nossa obra Breve Teoria Geral do Processo (Capítulo 29, seção “Recentes Críticas ao Princípio da Verdade Real”), examinamos as razões pelas quais discordamos da tese que sugere que a busca pela verdade transforma o juiz em um inquisidor. Não se pode confundir o objetivo final do processo — que é aproximar-se o máximo possível da verdade real — com o método para alcançá-la, seja ele inquisitivo ou contraditório.
Buscar a verdade não implica adotar um método inquisitivo de instrução processual. Pelo contrário, o processo penal que se guia pela verdade real deve, necessariamente, seguir o método contraditório, que garante a imparcialidade do juiz e a igualdade de armas entre acusação e defesa. Qualquer tentativa de misturar a busca pela verdade com a adoção de métodos inquisitivos configura um desvio inaceitável.
Se o processo não busca a verdade, seria como uma bússola que aponta para qualquer direção, menos para o norte. Sem a verdade, o processo perde seu propósito.
Vídeo
Flavio Meirelles Medeiros: O processo penal ainda busca a verdade real.
Verdade inalcançável e o defensor nunca falta com a verdade
Verdade Inalcançável, Acervo Indiciário e Versões
A verdade pode ser definida como a identidade entre o fato e a ideia que dele fazemos. Entretanto, o conhecimento pleno da verdade não está ao alcance dos homens, pois os fatos ocorrem fora de nossa percepção direta, em uma dimensão diferente daquela que experimentamos. Isso não está ao alcance nem do homem comum, nem da Ciência. Os fatos pertencem ao mundo da realidade, onde nunca estamos, nem jamais estaremos. O que sabemos sobre esses fatos é uma projeção recebida por meio dos sentidos, que é então processada pela nossa consciência e armazenada na memória — tudo isso após passar pelos filtros inconscientes de nossos humores e percepções subjetivas.
Essa projeção, ou seja, a versão do fato, nem sempre corresponde ao que realmente aconteceu no mundo real. Quando transmitimos essa versão a terceiros, ela precisa ser transformada em pensamento e, em seguida, convertida em palavras. Nesse processo, inevitavelmente algumas informações serão omitidas, outras serão ditas em excesso, e outras, ainda, serão equivocadas. E quem escuta… Bem, aí começa uma sucessão de erros: erros dos sentidos, da percepção, da consciência, da memória, da transmissão e da recepção das ideias (ver comentário sobre Interferências na verdade e no testemunho no título “Testemunho e Verdade”, artigo 202 do CPP).
No fim, o que resta no processo criminal é um acervo indiciário, um conjunto de provas e indícios com o qual se podem construir mais de uma tese acerca da verdade. É desse acervo que se servirão tanto a acusação quanto a defesa, na tentativa de conquistar o convencimento do juiz. Apesar das falhas e limitações, não existe outro caminho para se fazer Justiça. O processo é, afinal, uma reconstrução histórica. Busca-se reconstituir o passado da forma mais fidedigna possível. A verdade absoluta pode ser uma meta inalcançável, mas não é impossível aproximar-se dela. Este é o autêntico significado do princípio da verdade real: chegar o mais próximo possível da verdade.
O Defensor Nunca Falta com a Verdade
Aristóteles disse negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é, é falso; afirmar o que é e negar o que não é, é verdadeiro. Mas como podemos realmente saber o que é e o que não é? No processo penal, tanto o acusador quanto o defensor nunca faltam com a verdade, pois o direito é uma ciência, e, como tal, a verdade absoluta não está ao alcance do conhecimento humano. O que temos são versões, probabilidades, possibilidades.
Vamos tomar como exemplo o caso do defensor, frequentemente visto com desconfiança pelo leigo, talvez devido à sua maior proximidade com o acusado. Suponhamos que todas as provas apontem para a culpa do réu, que confessa ao defensor, em sigilo, ser o autor do delito. A pergunta que surge é: ao sustentar a tese de inocência em juízo, o defensor estará faltando com a verdade? A resposta é simples: não. A verdade, como dissemos, não está ao seu alcance, nem mesmo ao alcance do acusado. Este pode, por diversos motivos, estar equivocado. Afinal, tudo no processo são probabilidades. Existe uma distância intransponível entre a realidade e a versão da realidade. São dimensões distintas. O que o acusado narrou ao defensor é apenas uma percepção da realidade, não a realidade em si.
É fundamental compreender que há uma probabilidade de inocência em qualquer processo criminal. E é função social da defesa sustentar essa possibilidade de inocência. E por quê? Porque o defensor, no processo penal, representa o interesse da sociedade na absolvição de inocentes. Não importa se o acusado é inocente ou culpado — julgar é função exclusiva do juiz. O juiz depende, e muito, da colaboração de duas partes equidistantes, competentes e atuantes. Quanto mais robustas forem as atuações da acusação e da defesa, melhor será a qualidade da prestação jurisdicional, pois será propiciado ao juiz um exame completo do caso. Portanto, o defensor deve sempre dar o máximo de si ao sustentar as probabilidades de inocência, garantindo que nenhum inocente seja condenado.
O Princípio do Contraditório
O princípio do contraditório
O contraditório é um dos pilares do processo penal. Sua importância é destacada pelo fato de ser um princípio constitucional (art. 5º, LV, da CF). Diferentemente de outros princípios que exercem influência sobre o processo, o contraditório é absoluto, não comportando exceções. A sua inobservância é a causa mais frequente de nulidades processuais. A falta de denúncia, queixa, citação, defesa, prazos adequados às partes, ou de intimações para ciência das decisões que permitam recurso, acarreta a ineficácia do processo pelo prejuízo ao contraditório.
Como ensina Eduardo Couture, a justiça se serve da dialética, porque o princípio da contradição é o que permite, por confrontação de opostos, chegar à verdade (COUTURE, Eduardo. Interpretação das Leis Processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 66). De fato, na dialética hegeliana, a tese é representada pela acusação (afirmação), a antítese pela defesa (oposição à tese), e a síntese é a decisão (resultado do confronto entre tese e antítese).
Consequências para o Processo
O princípio do contraditório impõe as seguintes obrigações:
- A parte deve ter oportunidade de expor suas razões e de comentar as razões da parte contrária.
- A parte deve ter oportunidade de se manifestar sobre qualquer prova apresentada pela parte contrária ou pelo juiz.
- A parte deve ter oportunidade de produzir provas em seu favor.
Para que o princípio do contraditório seja respeitado, não é necessário que a parte efetivamente contradiga as provas e alegações dos autos, mas sim que lhe seja garantida a oportunidade de fazê-lo.
A Inconstitucionalidade de Leis que Violam o Contraditório
Por ser um princípio assegurado pela Constituição Federal, qualquer disposição legal que contrarie o contraditório deve ser considerada inconstitucional e, portanto, ineficaz para regulamentar casos concretos.
Limites de Atuação
É importante ressaltar que o contraditório atua, de forma absoluta, no processo, mas não fora dele. Ou seja, o contraditório não incide na fase pré-processual, como no inquérito policial, que não está sujeito à influência direta desse princípio.
Doutrina
Cirilo Augusto Vargas. A perspectiva “dinâmica” do princípio do contraditório. Anadep.
Jorge Emanuel Mendes Valente Dias: Considerações sobre a Prova e Contraditório na Fase de Instrução no Processo Penal.Universidade Portucalense.
Jurisprudência
Não é necessária a transcrição integral das conversas interceptadas, desde que possibilitado ao investigado o pleno acesso: Não é necessária a transcrição integral das conversas interceptadas, desde que possibilitado ao investigado o pleno acesso a todas as conversas captadas, assim como disponibilizada a totalidade do material que, direta e indiretamente, àquele se refira, sem prejuízo do poder do magistrado em determinar a transcrição da integralidade ou de partes do áudio (Inq 3.693/PA, rel. min. Cármen Lúcia, julgado em 10-4-2014, acórdão publicado no DJE de 30-10-2014 – Informativo 742, Plenário).
Pode ser feita transcrição parcial das interceptações desde que assegurado o acesso da totalidade do conteúdo: É legítima a transcrição das interceptações telefônicas apenas das partes que tenham pertinência com os fatos narrados na denúncia, sem prejuízo de amplo acesso da totalidade da mídia eletrônica ou dos autos físicos aos interessados (HC 109.708, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 23-6-2015, acórdão publicado no DJE de 3-8-2015 – Informativo 791, Segunda Turma).
Princípio da livre convicção
Prova legal:
Existem essencialmente dois sistemas que regulam a avaliação judicial das provas: o sistema da prova legal e o sistema da livre convicção. Pelo princípio da prova legal, hoje considerado parte da história do direito, as provas eram avaliadas pelo juiz com base em critérios previamente estabelecidos pela lei. Nesse sistema, as provas tinham um valor hierarquizado.
A tortura, historicamente, foi usada com diversos propósitos. Na Antiguidade, povos como os persas a utilizavam como pena acessória, conforme relata Thot: eles “utilizavam a tortura apenas contra os condenados à morte, não para obter confissões, mas para causar tormento antes da execução” (THOT, Ladislao – Historia de las antiguas instituciones de derecho penal. Buenos Aires: Talleres Gráficos Argentinos, L. J. Rosso, s/d, p. 248). No direito romano, a confissão ou declaração de um escravo só era válida se feita sob tortura, o que reforça a ideia de que a tortura, além de ser um meio de obtenção de confissão, também foi um instrumento de prova.
Ao concluir seus estudos sobre a tortura, Thot aponta que sua fundamentação jurídica derivava do princípio aceito por antigos juízes e legisladores: ninguém poderia ser condenado à morte sem que confessasse o crime (THOT, Ladislao. opus cit., p. 272).
Existem basicamente dois sistemas reguladores da avaliação judicial das provas: o sistema da prova legal e o da livre convicção. Pelo princípio da prova legal, cujo estudo, hoje, tornou-se da competência da história do direito, as provas são avaliadas pelo julgador segundo critérios preestabelecidos em lei. Com ele, as provas possuem valor hierarquizado. A tortura, desde a antiguidade, foi utilizada para vários fins. Foi utilizada pelos antigos e, nos tempos medievais, pela Inquisição. Já pelos persas foi aproveitada como pena acessória, pois, como verifica Thot, eles “utilizavam a tortura somente contra os sentenciados à morte; de modo que não era com o fim de arrancar-lhes a confissão, mas somente para causar-lhes tormentos, antes de ser cumprida a pena de morte” (THOT, Ladislao – Historia de las antiguas intituiciones de derecho penal. Buenos Aires, Talleres Graficos Argentinos. L. J. Rosso. s. d., p. 248). A tortura, além de já ter sido meio de se obter a confissão que era considerada prova legal, ela mesma já foi instrumento de obtenção de prova. Como narra o historiador Thot, no direito romano, o princípio geral aceito era o de que a confissão ou a declaração de um escravo, em caráter de acusado ou de testemunha, indistintamente, não podia ter valor legal, a não ser no caso de tê-la feito sob a ação de tortura. Em suas conclusões ao estudo histórico da tortura, Thot assinala que sua fundamentação jurídica era o princípio professado pelos antigos juízes, jurisconsultos e legisladores, de que ninguém podia ser condenado à pena de morte sem que houvesse confessado a prática do delito e a culpa respectiva (THOT, Ladislao. opus cit. p. 272).
Livre convicção motivada:
A Revolução Francesa marcou uma mudança significativa na história jurídica, separando o princípio da livre convicção do princípio da prova legal. Enquanto no sistema de provas legais o juiz avaliava as provas com base em critérios predeterminados, no sistema da livre convicção, o valor probatório é analisado de forma crítica e racional, com base em regras lógicas e na experiência prática. O princípio adotado é o da livre convicção motivada, ou seja, o juiz deve expor os motivos de seu convencimento, sem uma hierarquia pré-estabelecida de provas.
Esse sistema difere do da íntima convicção, aplicado ao Tribunal do Júri, no qual os jurados não precisam justificar as razões de suas decisões. A livre convicção, contudo, não é “livre” no sentido amplo. O termo surge para se opor ao sistema da prova legal, significando que o juiz não está vinculado a valores predeterminados, mas sua convicção deve sempre ser motivada e fundamentada nas provas apresentadas.
A liberdade de apreciação das provas, portanto, não é total. Ela está subordinada às regras da experiência e probabilidade. No Brasil, o juiz pode, inclusive, contrariar laudos periciais, desde que justifique sua decisão com base em outras provas constantes dos autos.
Limites à livre convicção:
Se levada ao extremo, a livre convicção poderia se aproximar do sistema da íntima convicção, onde o juiz decidiria apenas com base em sua consciência, sem necessidade de fundamentar a decisão. Esse sistema é inadequado, como argumenta Manzini, afirmando que a convicção deve sempre derivar dos fatos provados nos autos, e não de elementos subjetivos e psicológicos do magistrado (apud MARICONDE, Alfredo Vélez. Estudios de derecho procesal penal. Córdoba: Imprenta de la Universidad, 1956, tomo II, p. 91).
A liberdade do juiz na avaliação das provas é limitada pelos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da obrigatoriedade de fundamentação das decisões. Esses princípios impõem restrições à livre convicção, garantindo que o juiz só possa decidir com base nas provas apresentadas e devidamente contraditadas pelas partes.
Os elementos do inquérito policial, por exemplo, só têm valor informativo. Eles podem servir para subsidiar o início de uma ação penal, mas não podem ser usados como base para uma condenação, a menos que sejam debatidos e analisados em juízo.
Desvinculação dos autos e necessidade de motivação:
Em nosso sistema processual, a decisão judicial deve ser fundamentada e baseada exclusivamente nos elementos constantes dos autos. A única exceção a essa regra ocorre no Tribunal do Júri, onde os jurados podem decidir sem expor os motivos de seu convencimento, até mesmo utilizando elementos estranhos aos autos, como características pessoais do acusado. Ainda assim, o júri não pode decidir manifestamente contra as provas dos autos, exceto quando houver duas decisões consecutivas nesse sentido, o que torna a decisão final irrevogável, conforme previsto no Código de Processo Penal (CPP).
Exceções ao princípio da livre convicção:
Existem duas exceções ao princípio da livre convicção:
- Reformatio in pejus: Na apelação, o tribunal não pode condenar o réu absolvido na instância inferior, se não houver recurso da acusação. Ainda que o julgador se convença da culpa do réu, não poderá condená-lo, em respeito à proibição da reformatio in pejus.
- Exame de corpo de delito: Nos crimes que deixam vestígios, é imprescindível o exame de corpo de delito para que haja condenação. Essa exigência é um remanescente do sistema de provas legais, preservado no processo penal brasileiro, e visa garantir maior segurança na condenação.
Doutrina
Regina Lúcia Teixeira Mendes da Fonseca: Dilemas da decisão judicial. As representações de juízes brasileiros sobre o princípio do livre convencimento motivado. Universidade Gama Filho.
Uadi Lammêgo Bulos: Livre Convencimento do Juiz e as Garantias Constitucionais do Processo Penal. core.ac.uk.
Jurisprudência
Limites à fundamentação per relationem: É nulo o acórdão que se limita a ratificar a sentença e a adotar o parecer ministerial, sem sequer transcrevê-los, deixando de afastar as teses defensivas ou de apresentar fundamento próprio (STJ, HC 214.049-SP, Rel. originário Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/2/2015, DJe 10/3/2015 – Informativo 557).
Fundamentos lançados na manifestação do Ministério Público adotados como razões de decidir. Possibilidade: Não caracteriza ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal ato em que os fundamentos lançados na manifestação do Ministério Público são adotados como razões de decidir (HC 128.102, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 9-12-2015, acórdão pendente de publicação – Informativo 811, Primeira Turma).
É válido e revestido de eficácia probatória o testemunho prestado por policiais envolvidos em ação investigativa ou responsáveis por prisão em flagrante, quando estiver em harmonia com as demais provas dos autos e for colhido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).
Acórdãos:
HC 418529/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 17/04/2018, DJE 27/04/2018
HC 434544/RJ, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/03/2018, DJE 03/04/2018
HC 436168/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/03/2018, DJE 02/04/2018
AgRg no AREsp 1205027/RN, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/03/2018, DJE 21/03/2018
AgRg no AREsp 1204990/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 01/03/2018, DJE 12/03/2018
EDcl no AgRg no AREsp 1148457/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 06/02/2018, DJE 23/02/2018
Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil. (Súmula n. 74/STJ). Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).
Acórdãos:
AgRg no HC 357617/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/04/2018, DJE 17/04/2018
HC 425079/MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/03/2018, DJE 03/04/2018
AgRg no AREsp 822351/MG, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 20/03/2018, DJE 02/04/2018
AgRg no HC 409100/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/03/2018, DJE 20/03/2018
HC 429600/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/02/2018, DJE 16/02/2018
AgRg no AREsp 1109808/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 06/02/2018, DJE 16/02/2018
O registro audiovisual de depoimentos colhidos no âmbito do processo penal dispensa sua degravação ou transcrição, em prol dos princípios da razoável duração do processo e da celeridade processual, salvo comprovada demonstração de necessidade. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).
Acórdãos:
HC 336112/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/10/2017, DJE 31/10/2017
RMS 036625/MT, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 30/06/2016, DJE 01/08/2016
RMS 034866/MT, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 06/10/2015, DJE 29/10/2015
HC 177195/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 26/08/2014, DJE 02/09/2014
RHC 040875/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 24/04/2014, DJE 02/05/2014
Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil. (Súmula n. 74/STJ). Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).
Acórdãos:
AgRg no HC 357617/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/04/2018, DJE 17/04/2018
HC 425079/MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/03/2018, DJE 03/04/2018
AgRg no AREsp 822351/MG, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 20/03/2018, DJE 02/04/2018
AgRg no HC 409100/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/03/2018, DJE 20/03/2018
HC 429600/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/02/2018, DJE 16/02/2018
AgRg no AREsp 1109808/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 06/02/2018, DJE 16/02/2018
Princípio in dubio pro reo
Base Constitucional
O princípio in dubio pro reo tem origem no princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Trata-se de uma cláusula pétrea, o que significa que não pode ser objeto de Proposta de Emenda Constitucional (PEC). A proibição de reconhecer a culpa antes da prisão, prevista no artigo 5º da Constituição, faz parte dos direitos e garantias fundamentais e está protegida pelo artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, que veda emendas que visem abolir os direitos e garantias individuais. Sendo uma cláusula pétrea, não há margem para relativizar seu valor.
Presunção de Inocência
Para uma análise mais profunda sobre a presunção de inocência, verifique o Capítulo 50 de nossa Breve Teoria Geral do Processo Penal. Outros aspectos sobre esse princípio também podem ser encontrados em nossos comentários ao artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP).
Fatos Substanciais e Processuais
Nas decisões judiciais, o magistrado baseia-se nos fatos apresentados nos autos do processo. Alguns desses fatos são relevantes para a aplicação da norma processual penal, enquanto outros são cruciais para a aplicação da norma penal substancial. Fatos relacionados a nulidades processuais, por exemplo, são de interesse da norma processual. Já fatos como a autoria, personalidade e antecedentes do agente, além da própria hipótese fática objeto da acusação, são de natureza substancial, vinculados ao direito penal. Na dúvida quanto a como o fato ocorreu, se decidi que tenha ocorrido da forma mais favorável ao acusado em ambos os fatos, os de natureza penal e os de processual penal.
Certeza e Dúvida
Certeza e dúvida são estados mentais. O juiz alcança a certeza quando está convencido de que a representação mental dos fatos corresponde à realidade. Já a dúvida surge quando essa convicção não é alcançada, ou seja, o juiz não consegue determinar com precisão qual das hipóteses fáticas realmente reflete o ocorrido. Dúvida, portanto, não é simplesmente a ausência de convicção; é possível que a dúvida esteja ausente, mas que a convicção também não tenha sido formada. Para uma análise detalhada sobre a correta concepção de dúvida, consulte nossos comentários ao artigo 413, no título Pronúncia e in dubio pro societate.
Sistemas do Ônus da Prova
Para que o magistrado decida no processo, é necessário que tenha acesso às provas. No processo civil, vigora o sistema do ônus da prova, no qual a responsabilidade de provar os fatos é dividida entre as partes: cabe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito, enquanto o réu deve demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Inoperância do Sistema do Ônus no Processo Penal
No processo penal, o juiz não julga com base nas regras de distribuição do ônus da prova aplicáveis no processo civil. Conforme Mariconde, “o princípio in dubio pro reo exclui, absolutamente, a carga probatória do réu; este não tem o dever de provar nada, embora tenha o direito de fazê-lo, pois sua posição jurídica não precisa ser construída, mas sim destruída; se não for provada sua culpabilidade, ele continuará inocente e, consequentemente, será absolvido” (MARICONDE, Alfredo Vélez. Estúdios de derecho procesal penal. Córdoba, Imprenta de la Universidad, 1956, V.II, p. 34). Manzini reforça essa ideia, afirmando que “a prova negativa, a demonstração de inculpabilidade, geralmente não é possível: exigir isso seria um absurdo lógico e uma evidente injustiça…” (idem, p. 34).
Aplicação do Princípio no Processo Penal
No processo penal, o juiz forma sua convicção com base nas provas trazidas pelas partes ou de ofício. Quando os elementos de prova não são claros, surge o estado psicológico da dúvida. Se, após esgotados todos os meios legais, a dúvida persistir, o princípio in dubio pro reo deve ser aplicado, favorecendo o réu.
Fatos a que se Aplica
O princípio não se limita aos fatos que incidem sobre a lei penal, como a tipicidade, autoria ou legítima defesa. Ele se aplica a todos os fatos relevantes para a justiça criminal, sejam de natureza substancial ou processual. Um exemplo de fato processual ao qual o princípio se aplica é o prejuízo necessário para a declaração de nulidade processual. Se o juiz estiver em dúvida quanto à existência de um prejuízo efetivo, estará diante do que chamamos de prejuízo potencial. Borges da Rosa argumenta contra a possibilidade de nulidade com base em prejuízo potencial: “aqueles que sustentam que o dano ou prejuízo potencial dá lugar à nulidade são influenciados pelo antigo sistema de Romagnosi” (apud MEDEIROS, Flavio Meirelles – Nulidades do processo penal. Porto Alegre, Síntese, 1982. p. 37).
No entanto, essa posição é questionável. A nulidade, por definição, envolve uma omissão. Sendo uma omissão, é muitas vezes difícil afirmar que não houve prejuízo, pois não é possível comparar o ato realizado com o ato não realizado. Diante dessa dificuldade, a dúvida quanto à existência do prejuízo deve ser resolvida com a aplicação do princípio in dubio pro reo, principalmente quando a dúvida favorece a defesa.
Significação e Fundamento
O princípio in dubio pro reo estabelece que, em caso de dúvida, o juiz deve decidir de forma favorável ao réu. Se o magistrado não estiver convencido da ocorrência do fato ou de sua natureza, deve optar pela interpretação mais benéfica ao acusado. O fundamento desse princípio está nos próprios objetivos da justiça criminal: garantir a segurança e a tranquilidade dos cidadãos, assegurando que ninguém será condenado sem provas suficientes.
Doutrina
Lenio Luiz Streck: O caso dos devoradores de ovelhas e o ônus da prova. Conjur.
Princípio de que o acusado não é obrigado a produzir prova contra si
Nemo tenetur se detegere
Trata-se do princípio segundo o qual o acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. O artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal assegura que toda pessoa presa deve ser informada de seus direitos, dentre os quais o de permanecer em silêncio, além de garantir a assistência de advogado e de familiares.
O Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n.º 678/1992, reforça esse direito ao estabelecer, no artigo 8º, letra “g” do Anexo, que o acusado possui, como garantia mínima, o direito de não ser forçado a depor contra si próprio ou a confessar culpa.
Portanto, o princípio nemo tenetur se detegere abrange não só o direito ao silêncio, mas também o direito de o acusado não ser compelido a fornecer partes ou substâncias de seu corpo para a produção de provas. Ainda mais, o acusado não tem qualquer obrigação de colaborar com a investigação ou o processo, da mesma forma que a acusação não é obrigada a auxiliar a defesa.
Doutrina
Ana Rita dos Santos Correia: Nemo tenetur se ipsum accusare e a obrigatoriedade de entrega de documentos. repositorio.ul.pt. 2015.
Aury Lopes Jr. e Pedro Zucchetti Filho: O direito do acusado de não comparecer ao reconhecimento pessoal. Conjur.
Leonor Cacaes Palácios da Silva: A obtenção de provas em smartphones protegidos através da biometria (impressões digitais) e senhas numéricas e o princípio da não auto incriminação. Faculdade de Direito. Universidade de Lisboa.
Jurisprudência
Princípio da Imediação
Significado
Os meios de prova podem ser colhidos de maneira imediata ou mediata. Eberhard Schmidt ilustra essas duas formas de obtenção de provas com exemplos claros: no caso de uma ofensa verbal, pode-se interrogar diretamente uma testemunha que tenha ouvido a ofensa, caracterizando uma recepção imediata da prova. Por outro lado, se for interrogada uma pessoa que soube da ofensa por intermédio de outra que presenciou o fato, estaremos diante de uma recepção mediata da prova (SCHMIDT, Eberhard, Los fundamentos teóricos y constitucionales del derecho procesal penal. Buenos Aires, Bibliográfica Argentina, 1957, p. 262).
Uma analogia conhecida é a brincadeira do “telefone sem fio”, em que uma pessoa cochicha uma frase a outra, e essa, por sua vez, repassa para uma terceira, até que a última pessoa revela o que ouviu, comparando-se o resultado com a frase original. Frequentemente, há uma grande diferença entre a mensagem inicial e a final. Essa distorção ilustra o motivo pelo qual, no processo penal, prevalece o princípio da imediação. Esse princípio assegura que o juiz receba a prova diretamente de sua fonte, sem intermediários, preservando a fidelidade da prova.
Sintomas
No direito brasileiro, o princípio da imediação orienta que, sempre que possível, o juiz dê preferência a ouvir uma testemunha presencial em vez de alguém que tenha conhecimento dos fatos por intermédio de terceiros. Esse princípio também fundamenta a obrigação do magistrado de interrogar pessoalmente o acusado. Nesse ato, o réu não pode se fazer representar por outra pessoa, ou seja, apenas o juiz pode interrogar, e somente o réu pode ser interrogado. Da mesma forma, o juiz tem o dever de, sempre que viável, inquirir diretamente a vítima.
Outra expressão do princípio da imediação está no artigo 11 do Código de Processo Penal, que prevê que os instrumentos do crime, bem como quaisquer objetos relevantes para a prova, devem ser enviados ao juízo junto com os autos do inquérito.
Exceções
No entanto, conforme aponta Schmidt, a aplicação irrestrita do princípio da imediação limitaria severamente a coleta de provas, inviabilizando a administração da justiça penal (SCHMIDT, Eberhard, Los fundamentos teóricos y constitucionales del derecho procesal penal. Buenos Aires, Bibliográfica Argentina, 1957, p. 263). Exceções a esse princípio incluem a presença de intérprete entre a testemunha (ou documento) e o juiz; o perito entre o objeto examinado e o julgador; e o uso de fotografias ou gravações como meios de prova, que intermedeiam o fato original e sua representação no processo.
Francesco Carnelutti vai além, considerando até mesmo a presença do advogado de defesa como uma exceção ao princípio da imediação, ao interpor-se entre o acusado e o juiz (CARNELUTTI, Francesco, Estudios de derecho procesal. Buenos Aires, Ediciones Juridicas Europa-America, 1952, v. I, p. 114).