Flavio Meirelles Medeiros

Código de Processo Penal Comentado | Flavio Meirelles Medeiros

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Edição 2024

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Artigo 202º CPP – Quem pode ser testemunha.

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Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha.

Testemunho e verdade

Interferências na verdade e no testemunho: A verdade é a coincidência entre o fato e sua versão. O que a testemunha sabe, conhece, é um reflexo, uma concepção, um entendimento da verdade. Só conhecemos versos, jamais a verdade. Só experimentamos uma projeção do mundo exterior por meio dos sentidos. Não assistimos a cena, mas a sua projeção na tela da consciência. Vivemos paralelamente à verdade. No reflexo dela na superfície irregular do espelho, em nosso aparelho psíquico. O entendimento da testemunha daquilo que foi assistido não é idêntico àquilo que é autuado. A verdade passa por várias interferências, até chegar a sua autuação. Daí ser relativo o valor do testemunho, como é, aliás, relativo o valor de qualquer prova. O fato parte do mundo exterior e passa pelos sentidos da testemunha (visão, audição…), onde sofre interferências. Chega ao consciente da testemunha, onde sofre interferência da sua experiência inconsciente, sua história, sua personalidade, seu caráter, seus valores, bloqueios e preconceitos. Depois dessas duas interferências, a testemunha forma a concepção da verdade, aquilo que a testemunha conhece como sendo o fato. Ao narrar oralmente o que conhece, suas palavras podem não significar aquilo que a testemunha concebe realmente (3ª interferência), e quem escuta, o juiz, pode entender de forma equivocada o que foi dito (4ª interferência – do sentido representado pela audição daquele que escuta). A seguir, aquilo que o juiz escutou sofre a interferência de sua própria experiência inconsciente (5ª intermediação e interferência), para só então formar-se a concepção ou conhecimento, pelo juiz, do fato narrado. Por final, o juiz dita ao escrivão a sua concepção do fato, e o que dita (suas palavras) pode não significar exatamente aquilo que pensa (6ª interferência). Afora isso tudo, não bastasse, o escrivão pode digitar errado e, perceba-se, às vezes, a posição de uma vírgula muda todo o sentido da frase (7ª interferência). Veja-se este exemplo: Não, espere. Não espere. E este outro: Não tenha clemência! Não, tenha clemência! Mesmo quando a testemunha depõe, para quem escuta, as pausas exercem a função das vírgulas. Se quem fala erra o momento correto de algumas pausas, quem escuta capta outro sentido que não aquele que a testemunha quis transmitir. Mesmo as palavras mudam completamente o sentido, de acordo com a entonação da voz e com as expressões da face. O problema da prova testemunhal não está apenas na captação sensorial do acontecimento. Dependendo das condições pessoais da testemunha, os problemas maiores e as distorções mais graves ocorrerão na assimilação, compreensão e transmissão daquilo que foi captado. Daí, como se disse, ser relativo o valor da prova testemunhal. E essa relação possui estreito vínculo com as condições subjetivas da testemunha.

Nomes dados às testemunhas: A praxe forense, com o passar dos tempos, deu nomes às testemunhas. Testemunha direta ou presencial é a que assistiu ao fato narrado na denúncia. Indireta é a que ouviu falar do fato, normalmente através de alguém que o presenciou. Testemunha referida é aquela pessoa cujo nome é mencionado durante a inquirição de testemunha arrolada por uma das partes e, então, é chamada a testemunhar. Numeráriassão as testemunhas constantes da denúncia e da defesa prévia e que contam para fins de obediência aos limites máximos. Extranumerárias, as que não contam. Informantes não são testemunhas. São os menores, por exemplo. Não prestam compromisso.

Doutrina

Aury Lopes Jr e Cristina Carla Di Gesu: Falsas memórias e prova testemunhal no processo penal: em busca da redução de danos.  bdr.sintese.com.

Fernando Augusto Fernandes: Depoimento especial: eficácia e compatibilidade como meio de produção de prova. ffernandes.adv.br.

Filipa Luísa Ribeiro da Cruz Pereira: O papel da vítima no processo penal português. repositorio.ucp.pt/bitstream.

Bruna Lima: A oitiva de testemunha precedida da leitura do depoimento prestado na Delegacia. Canal Ciências Criminais.

Daniel Diamantaras de FigueiredoO direito do acusado ao confronto das testemunhas de acusação na produção da prova penal. Faculdade de Direito. Universidade de Lisboa

Gabriel Andrade de Santana e João Daniel Jacobina Brandão de Carvalho: Juízes não podem questionar pertinência de testemunhas de defesa. Conjur.

Gustavo Noronha de Ávila e Gabriel José Chittó Gauer e Luiz Alberto Brasil Simões Pires Filho: “Falsas” memórias e processo penal: (re)discutindo o papel da testemunha. repositorio.pucrs.br

João Paulo Oliveira Dias de Carvalho. Da intimação pessoal do réu para retificar a indicação da prova testemunhalAnadep.

Maria Regina Fay de Azambuja: A inquirição da vítima de violência sexual intrafamiliar à luz do superior interesse da criançacrianca.mppr.mp.br.

Jurisprudência

É válido e revestido de eficácia probatória o testemunho prestado por policiais envolvidos em ação investigativa ou responsáveis por prisão em flagrante, quando estiver em harmonia com as demais provas dos autos e for colhido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).

Acórdãos:

HC 418529/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, julgado em 17/04/2018, DJE 27/04/2018

HC 434544/RJ, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/03/2018, DJE 03/04/2018

HC 436168/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/03/2018, DJE 02/04/2018

AgRg no AREsp 1205027/RN, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/03/2018, DJE 21/03/2018

AgRg no AREsp 1204990/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 01/03/2018, DJE 12/03/2018

EDcl no AgRg no AREsp 1148457/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 06/02/2018, DJE 23/02/2018

É possível o arrolamento de testemunhas pelo assistente de acusação (artigo 271 do Código de Processo Penal), desde que respeitado o limite de 5 (cinco) pessoas previsto no artigo 422 do CPP. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).

Acórdãos:

AgRg no RHC 089886/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/11/2017, DJE 27/11/2017

AgRg no AREsp 988640/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 03/08/2017, DJE 16/08/2017

REsp 1503640/PB, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 04/08/2015, DJE 13/08/2015

HC 102082/GO, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 27/05/2008, DJE 17/11/2008

HC 074467/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 19/04/2007,DJ 04/06/2007

O réu não tem direito subjetivo de acompanhar, por sistema de videoconferência, audiência de inquirição de testemunhas realizada, presencialmente, perante o Juízo natural da causa, por ausência de previsão legal, regulamentar e principiológica. Fonte: Jurisprudência em teses (STJ).

Acórdãos:

HC 422490/MS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/03/2018, DJE 20/03/2018

RHC 077580/RN, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 02/02/2017, DJE 10/02/2017

Deficientes mentais, menores e parentes

Deficientes mentais, menores e parentes: Podem ser ouvidos como testemunhas. É o que se infere do artigo 208Não se deferirá o compromisso a que alude o artigo 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o artigo 206. Dispõe o artigo 206A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Menor partícipe do delito: Pode depor como testemunha.

Valor probante do testemunho de menores e parentes: Esses testemunhos devem ser avaliados com muita cautela. A criança é impressionável e os parentes são, em princípio, suspeitos de parcialidade, dado que vinculados emocionalmente ao acusado.

Doutrina

Guilherme Nucci: A escuta, o depoimento especial e o novo crime de violação de sigilo processualGuilhermenucci.

Fernando Augusto Fernandes: Depoimento especial: eficácia e compatibilidade como meio de produção de prova. ffernandes.adv.br.

Rita Estrela Lemos CarneiroA obtenção do testemunho do menor: o desafio da credibilidade e a questão da protecçãorepositorio.ul.pt. 2016.

Jurisprudência

Validade do depoimento sem dano nos crimes sexuais contra criança e adolescente: Não configura nulidade por cerceamento de defesa o fato de o defensor e o acusado de crime sexual praticado contra criança ou adolescente não estarem presentes na oitiva da vítima devido à utilização do método de inquirição denominado “depoimento sem dano”, precluindo eventual possibilidade de arguição de vício diante da falta de alegação de prejuízo em momento oportuno e diante da aquiescência da defesa à realização do ato processual apenas com a presença do juiz, do assistente social e da servidora do Juízo (STJ, RHC 45.589-MT, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 24/2/2015, DJe 3/3/2015 – Informativo 556).

Valor probatório do testemunho

Valor probante da prova testemunhal: O valor probatório do testemunho mede-se levando em conta a sua coerência, conformidade com o restante da prova e, principalmente, os interesses da testemunha no contexto das relações interpessoais com os demais envolvidos com o fato em apuração.

Proibidos de depor

Proibidos de depor: São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (artigo 207). Também o juiz está proibido de depor no processo em que esteja atuando (artigo 252, II), proibição essa que se aplica também ao MP (artigo 258). Por analogia, o promotor não pode servir como testemunha no processo em que tenha atuado na fase do inquérito policial.

Garantia de deputados e senadores

Garantia de deputados e senadores: Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos. Não são obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações (artigo 53, parágrafo 6º, da CF).

Proteção das testemunhas

Programa de proteção das testemunhas: Lei n. 9.807/1999 estabelece normas de proteção a vítimas, testemunhas e delatores ameaçados. Prevê as seguintes medidas: I – segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações; II – escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; III – transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais; V – ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda; VI – suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar; VII – apoio e assistência social, médica e psicológica; VIII – sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida; IX – apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal. Generosas as medidas. Na vida real, não serão implementadas.

Fim

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