Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 1o Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a esse serão encaminhados os autos. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
Princípio da correlação entre a denúncia e a sentença
Condenação por outro dispositivo com base em fatos descritos na denúncia: O magistrado, sem modificar a descrição do fato constante da denúncia, pode condenar o acusado por outro dispositivo penal que não aquele imputado ao acusado na peça acusatória inicial, ainda que tenha de aplicar pena mais grave. É que o acusado, no processo penal, defende-se de fatos e não de dispositivos. São as regras jura novit curia (o juiz cuida do direito) e narra mihi factum dabo tibi jus (me narra os fatos que te darei o direito). No caso, verifica-se a emendatio libelli, que é uma correção da acusação, e não uma alteração (mutatio libelli). Dessa maneira, tem-se, por exemplo: na denúncia encontra-se descrita a subtração para si de coisa móvel alheia mediante violência à pessoa e o delito praticado está capitulado no artigo 155 do CP (furto); o juiz pode, por ocasião da sentença, condenar por delito de roubo, pois o delito descrito foi o do artigo 157 do CP, já que presente a violência à pessoa.
Condenação por fatos não descritos na denúncia: Por outro lado, não pode haver condenação embasada em fatos que não se encontram descritos na denúncia. É o chamado princípio da correlação. Deve haver correlação (correspondência) entre os fatos narrados na denúncia e os tidos como verdadeiros na sentença. A violação desse princípio implica nulidade da sentença, pois se trata de decisão ultra petita (decisão além do pedido). Quando o juiz for sentenciar e verificar que há possibilidade de dar nova definição jurídica ao fato, em consequência de prova existente nos autos não contida na acusação, deverá determinar as diligências previstas no artigo 384, com aditamento da denúncia e reabertura das fases postulatória e instrutória. Assim procedendo, não haverá nulidade.
Nova terminologia para um mesmo significado: Princípio da correlação é um termo novo para designar uma regra antiga, a de que a sentença não pode ser ultra ou extra petita, vale dizer, não pode ir além do pedido ou transitar fora do pedido. Ultimamente tornou-se hábito na doutrina dar novos nomes a conceitos, teorias, institutos e definições conhecidas. Modismo desprovido de qualquer utilidade. Ao contrário, quanto mais denominações se dá a um mesmo instituto, regra ou princípio, mais complicado se torna o estudo jurídico. Isso sem dizer que qualquer inventice é justificativa para dar nome a uma “nova teoria”, “tese” ou “conceito”. A impressão que se tem é que essas criações são feitas para suprir questões para concursos. Talvez essa seja a mesma razão da importância excessiva que se dá à jurisprudência nas obras doutrinárias. Uma importância que ela não tem. A doutrina deixa de ser doutrina se for buscar as respostas dos problemas do direito com prevalência na jurisprudência. Passa a ser um repositório de decisões judiciais. Jurisprudência não é direito, e sim fonte subsidiária do direito. Aquele que confunde jurisprudência com direito, prepare-se para revisar todo o seu material de dois em dois anos, pois, à medida que muda a composição dos tribunais, mudam as decisões.
Jurisprudência
A segunda instância pode aplicar majorante ou minorante desde que descritas na inicial: O Tribunal de segunda instância pode aplicar majorante ou minorante, mesmo quando não capituladas na denúncia, desde que as circunstâncias que ensejam sua incidência estejam descritas na peça inicial (HC 120.587/SP e RHC 119.962/SP, rel. min. Luiz Fux, julgados em 20-5-2014, acórdãos publicados, respectivamente, no DJE de 5-6-2014 e no DJE de 16-6-2014 – Informativo 747, Primeira Turma).
Descrição dos fatos narrados na denúncia. O juiz pode alterar a definição jurídica dos fatos na sentença: Desde que a descrição dos fatos narrados na denúncia seja suficiente para a regularidade do exercício da ampla defesa, o juiz pode alterar, no momento da condenação, a definição jurídica dos fatos, ainda que isso importe em aplicação de pena mais gravosa (HC 123.733/AL, rel. min. Gilmar Mendes, julgado em 16-9-2014, acórdão publicado no DJE de 6-10-2014 – Informativo 759, Segunda Turma).
Ausência na denúncia de capitulação em causa de aumento de pena e não violação do princípio da congruência: Não viola o princípio da congruência a ausência de menção na peça acusatória à capitulação legal da causa de aumento de pena prevista no art. 12 da Lei 8.137/1990 posteriormente reconhecida em sentença condenatória (HC 129.284, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE de 7-2-2018).
Princípio da congruência: Deve-se reconhecer a nulidade absoluta de sentença que, em descompasso com os limites traçados pela exordial acusatória, condena o réu por fatos não narrados na denúncia (AP 975, rel. min. Edson Fachin, DJE de 2-3-2018).
Momento da alteração e vista à defesa
Momento de fazer a alteração e vista à defesa: Tendo em vista a posição do artigo 383, no Livro I, Capítulo XII, que versa sobre a sentença, pode parecer que a alteração só pode ser feita quando o magistrado estiver confeccionando a sentença. Mas não é assim. Tão logo o magistrado perceba o equívoco da denúncia, mesmo no início do processo, por ocasião de seu recebimento, deve lançar despacho nos autos, que terá por fim alertar ambas as partes de seu convencimento inicial quanto à correta capitulação do tipo penal na denúncia. O MP, querendo, poderá retificar a denúncia. Se não o fizer, não se faz necessária qualquer providência. O importante, o fundamental é que de alguma maneira a defesa tenha conhecimento do convencimento do juiz, de que o tipo penal capitulado na denúncia não é o que está sendo efetivamente imputado ao acusado. A importância desse conhecimento por parte da defesa está em que poderá fazer considerações de ordem técnico-jurídicas a propósito do tipo penal aventado pelo magistrado. Não que esteja impedida de fazê-las só com a descrição dos fatos e abstraída a equivocada capitulação na denúncia, mas é imprescindível a certeza sobre todo o conteúdo e amplitude da acusação, com vistas à realização da defesa ampla e eficiente. E no caso em que os autos já estejam conclusos com o juiz para sentença? Nessa hipótese, parece-nos, deva ser dada vista dos autos à defesa, e contendo despacho referindo a possibilidade de alteração do dispositivo penal, para que essa, querendo, apresente considerações de ordem defensiva. Resta esclarecer que a jurisprudência é pacífica no sentido de que não há nulidade se não for ouvida a defesa.
O tribunal pode aplicar o artigo 383: O CPP, em seu artigo 617, é expresso ao prever que o tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos artigos 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
Doutrina
Gustavo Badaró: Correlação entre acusação e sentença: releitura da emendatio libelli à luz do contraditório sobre as questões de direito, no novo Código de Processo Civil. Badaró Advogados.
Franklyn Roger Alves Silva: O princípio da correlação no processo penal à luz da lei n. 11.719/08. scholar.google.com.br
Jurisprudência
Emendatio libelli antes da sentença: O juiz pode, mesmo antes da sentença, proceder à correta adequação típica dos fatos narrados na denúncia para viabilizar, desde logo, o reconhecimento de direitos do réu caracterizados como temas de ordem pública decorrentes da reclassificação do crime (STJ, HC 241.206-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/11/2014, DJe 11/12/2014 – Informativo 553).
Emendatio libelli antes da sentença: O juiz pode, mesmo antes da sentença, proceder à correta adequação típica dos fatos narrados na denúncia para viabilizar, desde logo, o reconhecimento de direitos do réu caracterizados como temas de ordem pública decorrentes da reclassificação do crime (STJ, HC 241.206-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/11/2014, DJe 11/12/2014 – Informativo 553).
Incorreto enquadramento fático-jurídico. Possibilidade de desclassificar o tipo em qualquer momento: Havendo incorreto enquadramento fático-jurídico na capitulação penal – que repercuta na competência do órgão jurisdicional –, deve-se conferir ao magistrado a possibilidade de desclassificar o tipo em qualquer momento da fase judicial da persecução penal e encaminhar ao órgão competente (HC 113.598, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 15-12-2015, acórdão pendente de publicação – Informativo 812, Segunda Turma).
No ato de recebimento da denúncia não compete ao juiz conferir definição jurídica aos fatos: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória” (Inq 4.146, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 22-6-2016, DJE de 5-10-2016 – Informativo 831, Plenário).
Suspensão condicional do processo e transação penal
Suspensão condicional do processo: Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. Conforme dispõe o artigo 89, da Lei n. 9.099/95, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por essa lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. A propósito, o STJ editou a Súmula 337, que diz: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”. Sobre o tema, há também a Súmula 696 do STF: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o artigo 28 do CPP” (vide jurisprudência posterior à publicação da Súmula). Mesmo que o processo já esteja no final e concluso para sentença, não há qualquer impedimento a que seja suspenso, pois a suspensão consiste em direito do acusado, com vistas a evitar eventual e futura condenação criminal.
Transação penal: A Lei n. 9.099/95 (Lei Juizados Especiais) autoriza a transação. Essa lei é aplicável às infrações de menor potencial ofensivo, quais sejam, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa (artigo 61 da referida lei). Caso, por aplicação do artigo 383 do CPP, o tipo penal que o magistrado entenda aplicável tenha previsão de pena não superior a dois anos, deverá dar vista ao MP para que proponha transação penal. Embora tal possibilidade não esteja aventada no artigo 383 do CPP, a transação penal nos delitos de menor potencial ofensivo constitui direito do acusado.
Jurisprudência
Suspensão condicional do processo. Revogação posterior ao período de prova: É possível a revogação do benefício da suspensão condicional do processo após o término do período de prova, desde que os fatos ensejadores da revogação tenham ocorrido durante esse período (HC 208.497-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 11/12/2012 – Informativo nº 0513).
Sursis processual. Imposição de condições não previstas expressamente no art. 89 da lei n. 9.099/1995: É cabível a imposição de prestação de serviços à comunidade ou de prestação pecuniária como condição especial para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, desde que observados os princípios da adequação e da proporcionalidade (RHC 31.283-ES, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/12/2012 – Informativo nº 0512).
Suspensão condicional do processo. Oferecimento do benefício ao acusado por parte do juízo competente em ação penal pública: O juízo competente deverá, no âmbito de ação penal pública, oferecer o benefício da suspensão condicional do processo ao acusado caso constate, mediante provocação da parte interessada, não só a insubsistência dos fundamentos utilizados pelo Ministério Público para negar o benefício, mas o preenchimento dos requisitos especiais previstos no art. 89 da Lei n. 9.099/1995 (HC 131.108-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/12/2012 – Informativo nº 0513).
Se descumpridas as cláusulas da transação penal prevista no artigo 761 da Lei 9.099/1995, mesmo homologada, retoma-se a situação anterior: A homologação da transação penal prevista no artigo 761 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial (PSV 68/DF, julgado em 16-10-2014, publicado no DJE de 4-11-2014 – Informativo 763, Plenário).
Repetitivo. A propósito da legalidade das condições da suspensão do processo dos Juizados Especiais: Tema 930. Não há óbice a que se estabeleçam, no prudente uso da faculdade judicial disposta no art. 89, § 2º, da Lei n. 9.099/1995, obrigações equivalentes, do ponto de vista prático, a sanções penais (tais como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária), mas que, para os fins do sursis processual, se apresentam tão somente como condições para sua incidência (…) E, sendo um acordo, as partes são livres para transigirem em torno das condições legais (§ 1º) ou judiciais (§ 2º) previstas no art. 89, “desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado”, e desde que não se imponham condições que possam ofender a dignidade do arguidoc(…) Essas características do sursis processual afastam, portanto, a ilegalidade de se estabelecerem condições funcionalmente equivalentes a sanções penais, mas que se apresentam meramente como condições para a suspensão do processo, e como tais hão de ser tratadas (…) Precedentes citados do STJ: REsp 1.472.428-RS, Quinta Turma, DJe 12/11/2014; AgRg no REsp 1.376.161-RS, Quinta Turma, DJe 1º/8/2014; HC 325.184-MG, Sexta Turma, DJe 23/9/2015; e RHC 60.729-RS, Sexta Turma, DJe 11/9/2015. Precedentes citados do STF: HC 123.324-PR, Primeira Turma, DJe 7/11/2014; HC 108.103-RS, Segunda Turma, DJe 6/12/2011; e HC 115.721-PR, Segunda Turma, DJe 28/6/2013 (REsp 1.498.034- RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 25/11/2015, DJe 2/12/2015 – Informativo n. 574).
Análise de habeas corpus a despeito de concessão de sursis: A eventual aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não prejudica a análise de habeas corpus no qual se pleiteia o trancamento de ação penal (STJ, RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015, DJe 11/3/2015 – Informativo 557).
Repetitivo. Juizado especial. Descumprimento de condições de suspensão do processo importam em revogação do benefício, ainda que ultrapassado o período de prova: Tema 920. Se descumpridas as condições impostas durante o período de prova da suspensão condicional do processo, o benefício poderá ser revogado, mesmo se já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência (REsp 1.498.034-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 25/11/2015, DJe 2/12/2015).
A incompetência
Incompetência do juiz: O magistrado, se convencido da viabilidade de dar nova descrição jurídica ao fato, e isso implicar alteração de competência, remeterá os autos ao juiz que for competente. Sendo relativa a incompetência, em homenagem aos princípios da identidade física e da celeridade (ver o título O juiz que colhe a prova é o que sentencia em anotações ao artigo 399), há prorrogação da competência, ou seja, ela não é declinada e o próprio magistrado sentencia. Se for absoluta a incompetência, os autos deverão ser encaminhados ao magistrado que for competente.