Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o artigo 28 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do artigo 383 ao caputdeste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§ 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
Nova definição jurídica sem que o fato esteja descrito na denúncia
Comentários: Se, como consequência da colheita de provas, for possível dar nova definição jurídica ao fato imputado ao acusado, a denúncia deve ser aditada. Em face do princípio da correlação, não pode haver condenação por fato não descrito na denúncia. A violação desse princípio implica nulidade da sentença (ver o subtítulo Condenação por fatos não descritos na denúncia no título Princípio da correlação entre a denúncia e a sentença em anotações ao artigo 383). No caso não há simples emendatio libelli, que é uma correção da acusação, hipótese de que trata o artigo 383, mas sim uma alteração. Dessa maneira, por exemplo, se na denúncia está descrita a subtração para si de coisa móvel alheia e o delito praticado está capitulado no artigo 155 do CP (furto), o juiz não pode, por ocasião da sentença, condenar por delito de roubo (artigo 157), se não constar da descrição do fato na denúncia ter havido violência. Para condenar por roubo, deve haver nos autos do processo prova de que tenha havido violência. E não basta isso. Terão de ser tomadas as medidas do artigo 384, com aditamento da denúncia, prazo para a defesa se manifestar, colheita de provas, novo interrogatório e debates. Como consequência da alteração do tipo penal, a pena poderá ser maior, menor ou igual àquela prevista para o delito anteriormente descrito na acusação. Outro exemplo: a denúncia descreve homicídio simples e há prova nos autos de ter sido utilizado veneno (homicídio qualificado).
Doutrina
Franklyn Roger Alves Silva: O princípio da correlação no processo penal à luz da lei n. 11.719/08. scholar.google.com.br
Jurisprudência
Rejeição no curso do processo: Recebida a denúncia, a decisão não pode, posteriormente, ser reformada pela mesma instância (RJTJRS 87/60; STF – RT 230/146, 639/281; RTJ 69/369).
Momento de aplicação do dispositivo
Momento de aplicação do artigo 384: O presente dispositivo, ao dizer “encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato (…)”, dá a entender que as medidas preconizadas pelo artigo 384 só podem ser tomadas após finalizada a instrução. Porém, ele não pode ser interpretado em sua literalidade. Segundo o artigo 569, as omissões da denúncia ou da queixa poderão ser supridas a todo tempo antes da sentença final. Assim, tendo em vista o princípio da celeridade do processo penal, logo que for percebida a possibilidade de dar nova definição jurídica ao fato, em razão de prova existente nos autos de elemento ou circunstância não contidos na acusação, a denúncia poderá ser aditada. Dá para ir mais longe ainda das literalidades do artigo 384. A “prova existente nos autos” referida por esse dispositivo não exclui aquela que pode estar contida nos autos do inquérito policial e que serviu de base para a denúncia. Dessa forma, em seguida ao oferecimento da denúncia, pode haver o aditamento para fins do artigo 384, ou por iniciativa própria do MP, ou por despacho do magistrado dando vista dos autos ao MP para que avalie o assunto.
Jurisprudência
Emendatio libelli antes da sentença: O juiz pode, mesmo antes da sentença, proceder à correta adequação típica dos fatos narrados na denúncia para viabilizar, desde logo, o reconhecimento de direitos do réu caracterizados como temas de ordem pública decorrentes da reclassificação do crime (STJ, HC 241.206-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/11/2014, DJe 11/12/2014 – Informativo 553).
A segunda instância pode aplicar majorante ou minorante desde que descritas na inicial: O Tribunal de segunda instância pode aplicar majorante ou minorante, mesmo quando não capituladas na denúncia, desde que as circunstâncias que ensejam sua incidência estejam descritas na peça inicial (HC 120.587/SP e RHC 119.962/SP, rel. min. Luiz Fux, julgados em 20-5-2014, acórdãos publicados, respectivamente, no DJE de 5-6-2014 e no DJE de 16-6-2014 – Informativo 747, Primeira Turma).
Incorreto enquadramento fático-jurídico. Possibilidade de desclassificar o tipo em qualquer momento: Havendo incorreto enquadramento fático-jurídico na capitulação penal – que repercuta na competência do órgão jurisdicional –, deve-se conferir ao magistrado a possibilidade de desclassificar o tipo em qualquer momento da fase judicial da persecução penal e encaminhar ao órgão competente (HC 113.598, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 15-12-2015, acórdão pendente de publicação – Informativo 812, Segunda Turma).
No ato de recebimento da denúncia não compete ao juiz conferir definição jurídica aos fatos: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória” (Inq 4.146, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 22-6-2016, DJE de 5-10-2016 – Informativo 831, Plenário).
Iniciativa e providências
De quem é a iniciativa: O MP pode, independentemente de qualquer provocação, verificando a existência de prova nos autos que implique dar nova qualificação jurídica ao fato, aditar a denúncia a qualquer momento no processo, e, nessa hipótese, deverão ser tomadas as medidas do artigo 384. Pode, também, a iniciativa partir do magistrado, que despachará expondo a questão, e dando vista ao MP para fins de aditamento da denúncia. Se o órgão do Ministério Público entender que não é o caso de aditamento, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito, peças de informação ou do processo ao procurador-geral, e esse aditará a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para fazê-lo, ou insistirá que não se trata de caso de aditamento, e então estará o juiz obrigado a atender.
Providências: Aditada a denúncia, não é necessária nova citação, bastando ouvir o defensor do acusado no prazo de cinco dias. Após ouvi-lo, o magistrado decide se recebe ou não o aditamento. Admitido o aditamento, se a instrução já tiver findado, deverá ser reiniciada, designando-se audiência para inquirição de testemunhas (três para cada parte), novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
Aplicação dos parágrafos 1º e 2º do artigo 383: Quando da aplicação do artigo 384, aplicam-se as disposições dos parágrafos 1º e 2º do artigo 383. Sobre o tema, ver os títulos Suspensão condicional do processo, Transação penal no título Suspensão-condicional-do-processo-e-transação-penal . Ver também título Incompetência do juiz, nas anotações ao artigo 383.
Crime doloso, crime culposo, causas de aumento e de diminuição
Crime doloso, crime culposo, causas de aumento e de diminuição: Se na denúncia a qualificação é por delito doloso, e na instrução há prova de que o delito é culposo, devem ser empreendidas as medidas do artigo 384, sob pena de nulidade. O mesmo vale para o inverso, denúncia com qualificação de delito culposo e prova de delito doloso. Vale também o mesmo para as causas de aumento e de diminuição e, inclusive, por igual, para qualificadoras e delito privilegiado. Dando exemplo: a denúncia é por delito doloso. A sentença, sem executar as medidas do artigo 384, condena por delito culposo. A defesa apela sem alegar nulidade da sentença. O acusado deverá ser absolvido, pois não foi acusado de delito culposo em 1ª instância, e, conforme a Súmula 453 do STF, não se aplicam à segunda instância o artigo 384 e parágrafo único do CPP. A nulidade da sentença não poderá ser reconhecida porque ao tribunal é vedado, segundo a Súmula 160 do STF, reconhecer nulidade não arguida contra o réu. Veja-se o teor da Súmula 453 do STF: “Não se aplicam à segunda instância o artigo 384 e parágrafo único do CPP, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa” (vide jurisprudência posterior à publicação da Súmula). E da Súmula 160 do STF: “É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício” (vide jurisprudência posterior à publicação da Súmula).
Jurisprudência
A segunda instância pode aplicar majorante ou minorante desde que descritas na inicial: O Tribunal de segunda instância pode aplicar majorante ou minorante, mesmo quando não capituladas na denúncia, desde que as circunstâncias que ensejam sua incidência estejam descritas na peça inicial (HC 120.587/SP e RHC 119.962/SP, rel. min. Luiz Fux, julgados em 20-5-2014, acórdãos publicados, respectivamente, no DJE de 5-6-2014 e no DJE de 16-6-2014 – Informativo 747, Primeira Turma).
A segunda instância pode aplicar majorante ou minorante desde que descritas na inicial: O Tribunal de segunda instância pode aplicar majorante ou minorante, mesmo quando não capituladas na denúncia, desde que as circunstâncias que ensejam sua incidência estejam descritas na peça inicial (HC 120.587/SP e RHC 119.962/SP, rel. min. Luiz Fux, julgados em 20-5-2014, acórdãos publicados, respectivamente, no DJE de 5-6-2014 e no DJE de 16-6-2014 – Informativo 747, Primeira Turma).
Mutatio libelli e desclassificação do tipo penal doloso para a forma culposa do crime: Quando na denúncia não houver descrição sequer implícita de circunstância elementar da modalidade culposa do tipo penal, o magistrado, ao proferir a sentença, não pode desclassificar a conduta dolosa do agente – assim descrita na denúncia – para a forma culposa do crime, sem a observância do regramento previsto no art. 384, caput, do CPP (REsp 1.388.440-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/3/2015, DJe 17/3/2015 – Informativo 557).
Réu denunciado por delito na forma consumada e posteriormente condenado na forma tentada: O réu denunciado por crime na forma consumada pode ser condenado em sua forma tentada, mesmo que não tenha havido aditamento à denúncia (STJ, HC 297.551-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/3/2015, DJe 12/3/2015 – Informativo 557).
Ausência na denúncia de capitulação em causa de aumento de pena e não violação do princípio da congruência: Não viola o princípio da congruência a ausência de menção na peça acusatória à capitulação legal da causa de aumento de pena prevista no art. 12 da Lei 8.137/1990 posteriormente reconhecida em sentença condenatória (HC 129.284, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE de 7-2-2018).
Recurso cabível
Recurso cabível: Contra a decisão que indefere aditamento da denúncia, cabe, por interpretação extensiva, recurso em sentido estrito com fundamento no artigo 581, inciso I. Contra a decisão que defere, pode ser impetrado habeas corpus pelo acusado.
Aditamento e ação privada subsidiária
Aditamento pelo MP na ação privada subsidiária: Segundo o artigo 29, é admitida ação privada nos crimes de ação pública, se essa não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. O MP pode, portanto, aditar a queixa na ação privada subsidiária.
Inaplicabilidade do artigo 384 em 2ª instância
Inaplicabilidade do artigo 384 em 2ª instância: Conforme a Súmula 453 do STF, “Não se aplicam à segunda instância o artigo 384 e parágrafo único do CPP, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa” (vide jurisprudência posterior à publicação da Súmula).