Código de Processo Penal Comentado | Flavio Meirelles Medeiros

Artigo 29º CPP – Ação penal privada em crime de ação pública. Prazos. O MP e a queixa subsidiária.

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Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

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Ação privada nos crimes de ação pública

Hipótese legal: Se a ação penal pública (dos crimes de ação pública) não for intentada, mediante a denúncia do MP, no prazo legal (prazos do artigo 46), admite-se a propositura de ação privada através de queixa do ofendido.

Fundamento constitucional: A ação penal privada subsidiária é uma garantia constitucional. Constitui cláusula pétrea. Vem estatuída no artigo 5º, inciso LIX da CF, que admite a ação privada nos crimes de ação pública, se essa não for intentada no prazo legal.

Prazo: O ofendido ou seu representante legal decai do direito de queixa se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contando do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia (artigo 38 do CPP).

Jurisprudência

Inércia do MP e ação penal privada subsidiária: Promotor que, de posse de inquérito de indiciado preso, excede o prazo do artigo 48 do CPP, sem requerer diligência ou oferecer denúncia. Cabimento, nessa hipótese, da ação penal privada subsidiária (RHC 19091, STJ, Quinta Turma, Relator Min. Assis Toledo. Data da decisão 26.8.92, DJU 14.9.92, p.14.980).

O arquivamento do inquérito no prazo legal não inviabiliza a ação privada

O arquivamento do inquérito não impossibilita a ação privada subsidiária: No passado o entendimento jurisdicional era o de que o arquivamento do inquérito no prazo legal não constituía impedimento à ação penal privada subsidiária. É exemplo o Recurso Extraordinário (RE) nº 8.777, relatado pelo ministro Bento de Faria, na sessão de julgamento de 15/12/1944, vencidos os ministros José Linhares e Orozimbo Notato. A ilustrar a tese que prevaleceu, segue o seguinte trecho do voto do relator: “O artigo 29 do Código do processo penal dispõe que — será admitida queixa nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal, observando-se, é claro, o prazo estabelecido no artigo 38, isto é, desde que a atividade do ofendido seja exercitada no prazo de seis meses contados do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou no caso do art. supra referido, que configura a hipótese do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denuncia. Ora, a ação pública não foi intentada no prazo legal, uma vez que a denúncia não foi oferecida. Consequentemente, dita ação não foi promovida pelo M. Público, desde que ele se recusou a fazê-lo requerendo o arquivamento do inquérito. Podia, portanto, o ofendido assumir a iniciativa.” O mesmo entendimento foi registrado nos seguintes julgados: RE nº 13.026, 1ª T., unânime, relator ministro Laudo de Camargo, j. 13/10/1948; RE nº 17.779, 1ª T., por maioria, relator ministro Afrânio da Costa, vencido no mérito o ministro José Linhares, j. 30/10/1950; RE nº 21.157, 2ª T., unânime, relator ministro Afrânio Costa, j. 14/10/1952; RE nº 30.051, 2ª T., relator ministro Rocha Lagoa, vencidos os ministros Edgard Costa e Orozimbo Nonato, j. 20/12/1955; RE nº 28.677, 2ª T., redator do acórdão Lafayete de Andrada, j. 27/12/1955, vencidos o relator ministro Orozimbo Nonato e o ministro Edgard Costa. Com o passar do tempo, todavia, houve alteração do entendimento, vencendo a tese de que, em face de pedido de arquivamento deferido pelo juiz, não cabe ação penal privada subsidiária. É o entendimento atual: com o arquivamento ordenado pelo promotor, não há direito à propositura de ação penal subsidiária. Não convence, entretanto, e pelas seguintes razões:

1 – O princípio da legalidade, também chamado de princípio da obrigatoriedade ou da inevitabilidade da ação, tem por causa o interesse da coletividade na atuação do direito penal. Dele resulta que o órgão encarregado da promoção da ação penal não possui faculdades discricionárias. Havendo indícios suficientes da prática de crime e de autoria, o Ministério Público tem a obrigação de promover a ação penal. A obrigação persecutória do Estado deriva, de forma expressa, do artigo 24 do Código de Processo Penal: nos crimes de ação pública, esta será promovida… O arquivamento do inquérito, mesmo havendo indícios de crime e autoria, configura infração à lei, e não uso de poder discricionário, remediável por meio da intervenção judicial com o recebimento da queixa subsidiária.

2 – A propositura da ação penal não constitui ato discricionário. É ato condicionado a requisitos legais preestabelecidos. O MP não possui o poder de escolher entre denunciar ou não, se presentes os requisitos do dever de denunciar. Ao examinar seus pressupostos e receber queixa subsidiária, o judiciário está, por via transversa, revendo e cassando ato ilegal do MP. Nenhum ato que viola a lei foge à apreciação judiciária. Se até ato de ministro de Estado e do Presidente da República é submissível à apreciação do Poder Judiciário, quanto à legalidade e à constitucionalidade, por que razão ato/omissão ilegal do MP não poderia ser revisto? Ao receber queixa subsidiária, havendo inquérito arquivado e estando presentes indícios de delito e autoria, o Poder Judiciário não está revendo ato discricionário, mas sim realizando controle de legalidade de ato. A hipótese de definitividade do arquivamento do inquérito pelo MP atribui, nos dizeres de Raymundo Cortizo Sobrinho, jurisdição a um órgão que não possui atribuição judicante, o que não se coaduna com o espírito constitucional da repartição dos poderes. O MP não possui poder jurisdicional para decidir em definitivo sobre aplicação da lei. A lesão de direito pode ser sempre analisada pelo órgão constitucionalmente competente, o Poder Judiciário (Cabimento da ação penal privada subsidiária da pública no arquivamento de inquérito policial. Jus.com.br, 2004).

3 – O artigo 29 do CPP admite a ação privada se a pública não for intentada no prazo legal. Esse dispositivo não esclarece qual o motivo da não interposição da ação no prazo, logo pouco importa que tenha havido arquivamento do inquérito. Se a ação não foi intentada no prazo legal, cabível é a ação privada. A lei não diz se não for providenciado no arquivamento no prazo legal, caberá a ação privada. Diz apenas que cabe a queixa subsidiária se a ação pública não for proposta no prazo legal. Se o MP providencia no arquivamento, não está proposta a ação no prazo da lei. O entendimento tradicional realiza interpretação restritiva em ofensa à cláusulas pétreas – o que fere máxima efetividade dos direitos fundamentais -, a saber artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e o artigo 5º, inciso LIX da CF, que faz previsão da ação penal privada subsidiária.

4 – O princípio acusatório, conforme Ferrajoli, citado por Márcio Adriano Anselmo no artigo Reflexões sobre a (in)ação penal e a ação subsidiária, CONJUR, 2019, não implica exclusividade da ação penal. O princípio acusatório significa tão somente que alguém deve promover a acusação no processo penal. Segundo o artigo 129, inciso I da CF, é função institucional do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública. A ação penal pública é privativa do MP. A privada não o é. A ação subsidiária é privada. A ação privada subsidiária constitui direito fundamental e cláusula pétrea (artigo 5º, inciso LIX da CF). Tratando-se de direito individual fundamental, a queixa subsidiária deveria ser interpretada segundo o postulado que a doutrina chama de “máxima efetividade dos direitos fundamentais”.

5- Na década de 1980 o CP passou por revogação de sua parte geral por força da Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, mas regra de redação praticamente idêntica passou a constar do §3º do artigo 100, hoje vigente: “a ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia o prazo legal”. O constituinte da década de 1980 igualmente não se sensibilizou com o novo entendimento do STF. Com efeito, a Constituição de 1988, consagrou no seu rol de garantias e direitos individuais de regra que reproduz a parte inicial do artigo 29 do CPP e o §3º do artigo 100 do CP.  É o que se tem no inciso LIX do artigo 5º: “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. O constituinte poderia ter optado por dizer “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se o arquivamento não for providenciado no prazo legal”, mas essa não foi a expressão utilizada. Focalizou-se a ausência de denúncia, em linha com os textos legislativos precedentes.

Denúncia omissa quanto a fatos ou indiciados: Se o promotor denuncia sem incluir alguns indiciados ou sem imputar determinados fatos, cabe, em relação aos indiciados e fatos omitidos, ação privada subsidiária? Entendemos que não. A omissão se equipara a pedido de arquivamento em relação aos indiciados e fatos omitidos (pedido de arquivamento implícito).

Doutrina

Márcio Adriano Anselmo: Reflexões sobre a (in)ação penal e a ação subsidiária. Conjur.

Meirelles Medeiros. Flavio e Luciano, Pablo Bezerra: Queixa subsidiária e controle do arquivamento de inquéritos no STF. Conjur.

Perdão, perempção, renúncia e decadência

Inadmissibilidade do perdão e da perempçãoO perdão e a perempção não são admissíveis na ação penal privada subsidiária, pois que esses dois institutos só se aplicam aos crimes em que somente se procede mediante queixa (artigos 105 do CP e 60 do CPP).

Admissibilidade da renúncia: artigo 104 do CP diz que o direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado. Como o artigo 104 do CP não distingue a queixa proposta nos crimes de ação privada da ofertada nos crimes de ação pública, a renúncia se aplica a ambos os casos.

Admissibilidade da decadência: O ofendido ou seu representante decai do direito de queixa se não o exercer no prazo de seis meses contado do dia em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia (artigo 38 do CPP).

O Ministério Público e a queixa subsidiária

A atuação do MP: Oferecida a queixa subsidiária, cabe ao MP aditá-la, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

O não aditamento. Consequências: O não aditamento por parte do MP significa apenas que ele nada tem a retificar ou complementar. O silêncio, sem o repúdio, significa que o MP concorda com os termos da queixa oferecida.

O repúdio. Consequências: No caso de repúdio à queixa subsidiária por parte do MP, tem-se defendido que a ação não pode ter sequência, salvo se for aplicado, por extensão, o preceito do artigo 28, e outro promotor for designado para oficiar no feito. Não concordamos com essa posição. Essa concepção transforma em letra morta a regra do presente artigo 29 do CPP, segundo a qual cabe ação privada nos crimes de ação pública quando não for intentada no prazo legal. Se o MP expressamente repudia, sem oferecer denúncia substitutiva – e, no caso de repúdio, ele não está obrigado a oferecer denúncia substitutiva –, compete ao juiz decidir se recebe ou não a queixa.

Oferecimento de denúncia substitutiva: Repudiando a queixa substitutiva, o MP pode oferecer ou não a denúncia substitutiva. Não oferecerá se entender que não estão presentes os pressupostos do poder-dever de denunciar. Oferecerá se entender que sim, que estão presentes os pressupostos do poder-dever de denunciar, e a queixa-crime, por razões diversas, não atende a requisitos de peça acusatória inicial de processo criminal. Caberá ao magistrado decidir se recebe a queixa-crime ou a denúncia substitutiva. Consoante a tese 811, com repercussão geral, proferida no processo ARE 859251, o ajuizamento da ação penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao Ministério Público. Diligências internas à instituição são irrelevantes; II – A conduta do Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao decurso do prazo legal para a propositura da ação penal não afastam o direito de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais diligências afasta esse direito, por não representar concordância com a falta de iniciativa da ação penal pública. Segundo referida tese, o oferecimento da denúncia não afasta o direito de queixa. Significa que está correto o entendimento de que o juiz está livre para decidir entre a queixa e a denúncia, tendo em conta que o direito de queixa persiste existindo mesmo com o oferecimento posterior da denúncia. Optando pelo recebimento da denúncia quer nos parecer que o acusador privado passa a figurar nos autos como assistente da acusação, se assim o desejar.

Em resumo: Se o MP silencia (não aditando), é porque concorda com os termos da queixa; se adita, é porque concorda, completando ou retificando parcialmente a queixa; se repudia, sem oferecer denúncia substitutiva, é porque não concorda com a propositura da ação penal – repúdio esse que não vincula o juiz, e que decidirá se recebe ou não a queixa -; se repudia e oferece denúncia substitutiva, é porque concorda com a propositura da ação penal, mas não se satisfaz com os termos da queixa-crime, sendo que, neste caso, não há norma que tolha a liberdade do juiz de decidir qual inicial acusatória receberá.

Nulidade: A intervenção do MP em todos os termos da ação intentada pela parte ofendida nos crimes de ação pública (ação privada subsidiária) é obrigatória, sob pena de nulidade (artigo 564, inciso III, letra d).

Retomando a ação como parte principal: Na ação penal iniciada mediante queixa substitutiva, o Ministério Público só retoma a ação como parte principal no caso de negligência do querelante (fato esse que depende de reconhecimento judicial a requerimento do MP). 

Jurisprudência

Pedido de arquivamento: Diante do arquivamento judicial levado a efeito a requerimento do MP não cabe queixa subsidiária (RT 597/421). No mesmo sentido : STF, RT 653/398.

Denúncia omissa: Se a denúncia, inobstante oferecida e recebida, acolhe apenas em parte a representação, sem pleitear, fundamentadamente, seu arquivamento quanto às demais infrações nela inseridas, cabível é a queixa-crime por parte do representante (RT 627/316).

Requerimento de diligência desnecessária: Não oferecida a denúncia no prazo legal, em virtude de requerimento de diligência desnecessária, cabível é a ação penal privada (TASP, RT 643/306).

Fim

6 respostas

  1. Boa tarde Professor.
    Ocorreu-me uma dúvida.
    O Ministério Público será intimado do oferecimento da queixa subsidiária, para que adote ou não as providências do art. 29 do Código de Processo Penal. Não consegui encontrar o rito que percorre esse tipo de ação.
    Muito obrigado.
    At.te.

  2. Boa noite!!!
    Gostei muito do conteúdo!!!! Parabéns!!!
    Gostaria de fazer uma pergunta: Havendo inércia ministerial em atuar nos prazos que a lei lhe confere, admite-se que a vitima promova a ação penal em crimes de atribuição primária do MP?

    1. Havendo inércia, é cabível a ação penal privada subsidiária. Isso é pacífico. Já, segundo a jurisprudência, sendo determinado o arquivamento, não cabe a ação subsidiária. Entendo que cabe: veja nos comentários a este artigo 29 o título Prazo legal, subtítulo “O arquivamento do inquérito não impossibilita a ação privada subsidiária”.

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