Código de Processo Penal Comentado | Flavio Meirelles Medeiros

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Edição 2024

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Artigo 260 do CPP
Irlanda 1847 – Asenath Nicholson

O artigo 260 do CPP trata da condução coercitiva e quais os seus requisitos.

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no artigo 352, no que lhe for aplicável.

Condução do acusado em juízo

Condução do acusado para a audiência em juízo: 

Diversos autores, inclusive com fundamento nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental ns. 395 e 444, sustentam que não há sentido em exigir a presença do acusado se ele possui o direito de se manter calado. Assim, não encontraria cabimento a condução coercitiva para fins de interrogatório judicial. Por outro lado, é pacífico que a presença do acusado for necessária para fins de reconhecimento por testemunhas, ou acareação, ou reprodução simulada do crime, ou então quando estiver solto sob fiança (artigo 319, inciso VIII), se, notificado, não comparecer, pode ser conduzido coercitivamente. Na sequência serão expostas as razões porque está autorizada a condução coercitiva, não obstante as decisões nas ADPFs acima referidas, em havendo prévia intimação pessoal não atendida

Acusado que não comparece. Não cabimento da prisão preventiva: 

Não comparecendo o acusado a ato em que se faz necessária sua presença, não constitui motivo, por si só, de decreto de prisão preventiva. Deve ser expedido mandado de condução coercitiva. Apenas no caso de réu afiançado que não comparece é que o juiz pode (faculdade) decretar a preventiva (artigo 282, inciso II, parágrafo 4º). Mas seria uma medida excepcional, pois o descumprimento de cautelar do artigo 319não importa necessariamente na prisão. Nesse caso o juiz “poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a previsão preventiva” (artigo 282, parágrafo 4º). Logo, nos termos desse dispositivo, o magistrado “pode impor outra em cumulação, ou seja, manter a mesma medida impondo mais uma. Assim, se o acusado descumpre uma das obrigações do instituto da fiança “deixando de comparecer a ato do processo (artigo 341, inciso I), o juiz pode manter essa obrigação (mesmo quebrada a fiança) e cumular com outra ou outras sem decretar a prisão.

Condução à delegacia e dependência de autorização judicial

Delegado de polícia e condução coercitiva 

A condução coercitiva não deixa de ser uma forma de prisão, embora por curto espaço de tempo. À vista disso, só pode ser determinada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (artigo 5º, inciso LXI, da CF). Necessitando da presença de investigado para ato do inquérito a que deva obrigatoriamente estar presente (interrogatório, qualificação, identificação, reconhecimento por testemunhas), o delegado de polícia deve expedir notificação ao investigado, designando dia e hora para seu comparecimento. Não havendo atendimento, deve requerer ao juiz a expedição de mandado de condução coercitiva.

Condução do investigado para fins de interrogatório e as ADPFs 395 e 444

A condução do investigado para fins de interrogatório foi objeto da decisão proferida nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental ns. 395 e 444,  que pronunciou a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP, e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Interpretação restritiva da decisão proferida nas ADPFs 395 e 444

Período excepcional da sociedade brasileira

A decisão proferida nas ADPFs 395 e 444, em uma fase excepcional pela qual passou o processo criminal, merece, atualmente, interpretação restritiva, ou seja, o que está proibido é a condução coercitiva para interrogatório sem obediência aos seus requisitos, quais sejam, o não atendimento à prévia intimação no caso de interrogatório no processo e, no inquérito, a ausência de atendimento e a autorização judicial.

A decisão proferida nas ADPFs 395 e 444 justifica-se porque publicada em uma fase excepcional da sociedade brasileira que culminou com a invasão das sedes dos três poderes e depredação das dependências do Supremo Tribunal Federal. Foi um período bastante complicado causado por operadores do direito, impulsionados por redes sociais e pela imprensa. Foi um retrocesso histórico quando esse grupo de operadores decidiram trazer a multidão para opinar sobre o julgamento de acusados. Conforme dito pelo criminalista José Roberto Batochio, segundo decisão do ministro Gilmar Mendes, apenas no âmbito da chamada operação lava jato foram expedidos 222 mandados de condução coercitiva. Todas essas conduções ignoraram, de forma ilegal e até aqui impunível, o artigo 260 do Código de Processo Penal. Se policiais, promotores e juízes não cumprem a lei, em nome do que perseguem os criminosos que a desrespeitam?  O jurista Raúl Zaffaroni, sobre aquele período, assim se manifestou: Cabe também ao Judiciário limitar o poder punitivo. No curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função. Quando isso acontece, os juízes deixam de ser juízes e se tornam policiais fantasiados de juízes (…) hoje, não é fácil pegar um grupo qualquer para estigmatizá-lo, mas há um grupo que sempre pode virar o bode expiatório. É o grupo dos delinquentes comuns. É um candidato a inimigo residual que surge quando não há outro inimigo melhor. Houve uma época em que bruxas podiam ser acusadas de tudo, das perdas das colheitas à impotência dos maridos (…) quando um juiz põe limites ao poder punitivo, a mídia crítica e o político, montado sobre a propaganda da mídia, ameaça os juízes. A grande maioria de juízes está ciente disso e confronta a situação. Mas uma minoria tem medo. Com medo da mídia, da construção social da realidade, juízes acabam se tornando policiais (…) O problema é confrontar a mídia. Mas é o único jeito. Se ninguém obstaculiza o avanço desse mundo paranoico, inevitavelmente, vai acabar em genocídio (…) quem hoje está acomodado, amanhã pode ser vítima também do discurso de vingança. Os inimigos mudam muito rápido. O político ou o juiz que aceita ou aprova os excessos e as agências policiais fora de controle, está cavando o próprio túmulo. Porque amanhã, o inimigo muda e o político ou juiz corre o risco de virar ele próprio o bode expiatório. E o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, profundo conhecedor da Ciência Processual Penal, Rogerio Schietti Cruz, afirmou:O recado transmitido é, todavia, de confronto, de desprezo à ciência e às instituições e pessoas que se dedicam à pesquisa, de silêncio ou até de pilhéria diante de tragédias diárias. É a reprodução de uma espécie de necropolítica, de uma violência sistêmica, que se associa à já vergonhosa violência física, direta (que nos situa em patamares ignominiosos no cenário mundial) e à violência ideológica, mais silenciosa, porém igualmente perversa, e que se expressa nas manifestações de racismo, de misoginia, de discriminação sexual e intolerâncias a grupos minoritários. Essas e outras declarações semelhantes foram publicadas no Portal Conjur.

Interpretação restritiva da decisão proferida nas ADPFs 395 e 444

A lei é um símbolo. Contém significado. Deve ser interpretada. Decisões são símbolos. Contêm significado. Devem ser interpretadas. Na interpretação, utilizam-se, além de outros elementos, o histórico e o valorativo.

Com o elemento histórico, investigam-se as condições, razões e necessidades que deram origem à lei. Avalia-se se, com a evolução histórica, essas circunstâncias subsistem, se diminuíram ou aumentaram. Se as razões ou condições iniciais diminuíram, aumentaram ou desapareceram, a extensão do conteúdo da lei necessariamente não será a mesma, sofrendo alterações. Conforme analisado, as ADPFs foram julgadas e decididas em um período excepcional, em que o STF entendeu ser necessário impor limites à repressão criminal, judicial e policial. Quanto ao elemento valorativo, indaga-se qual o melhor sentido da lei para regular a realidade. Essa indagação começa na realidade, onde se investiga qual a regra que melhor atende às suas necessidades. Da realidade, passa-se para o plano da lei, cujo conteúdo será analisado para se encontrar a norma reclamada. É fundamental aferir o valor do resultado da interpretação. O direito deve ser interpretado de modo a satisfazer as exigências da vida. Assim, a condução coercitiva para fins de interrogatório não está proibida. O artigo 260 a autoriza expressamente. Contudo, a condução coercitiva está sujeita a certos requisitos, quais sejam: intimação prévia e não comparecimento do investigado ou acusado, bem como autorização judicial no caso de investigado em inquérito policial.

Interpretar restritivamente o comando constante das ADPFs em exame, qual seja, a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP, e declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório significa restringir a proibição aos casos em que não são cumpridos os requisitos legais, ou seja, a prévia intimação, o não comparecimento e a autorização judicial. A condução coercitiva é incompatível com a Constituição Federal quando seus requisitos não são atendidos, sendo essa a extensão do decidido.

A análise histórica (elemento histórico de interpretação), que considera o contexto em que essa decisão foi tomada, já foi discutida anteriormente. No entanto, do ponto de vista valorativo (elemento valorativo de interpretação), é necessário ponderar a relevância da condução coercitiva em situações específicas, especialmente quando ela se mostra legal e necessária para garantir o bom andamento do processo, bem como a plena garantia do direito de defesa.

Deve-se distinguir o direito ao silêncio, previsto no artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição Federal, do dever de comparecimento às audiências quando o réu for devidamente intimado. O direito ao silêncio é uma garantia constitucional que assegura ao acusado a possibilidade de não se autoincriminar, mas esse direito não anula o do juiz de exigir a presença do réu, nem que seja apenas para confirmar que deseja fazer uso do direito de ficar calado. O simples comparecimento do réu à audiência não viola o seu direito de permanecer em silêncio, uma vez que ele pode exercer essa prerrogativa a qualquer momento durante o processo. O dever de comparecimento é, em alguns contextos probatórios, essencial para a proteção do próprio acusado, que tem a oportunidade de exercer sua defesa pessoal e contribuir para o esclarecimento dos fatos.

É importante ressaltar que, além da defesa técnica realizada por seu advogado, o acusado também tem direito à defesa pessoal, parte integrante da ampla defesa garantida pela Constituição. A presença do réu na audiência permite que ele participe ativamente de sua defesa, apresentando esclarecimentos, refutando acusações ou ajudando a desfazer contradições. Em muitos casos, o juiz pode considerar a presença do acusado crucial para sua própria defesa, uma vez que a sua ausência pode ser prejudicial. Nessa perspectiva, a condução coercitiva, precedida de intimação pessoal devidamente frustrada, assegura tanto o direito à ampla defesa quanto a eficiência do processo penal.

Ademais, a presença física do acusado é um elemento relevante para a formação da convicção do magistrado. O juiz, ao longo da audiência, avalia não apenas as provas documentais e os depoimentos das testemunhas, mas também observa o comportamento, as reações e a postura do réu, elementos que podem ser decisivos para corroborar ou refutar as alegações apresentadas. Privar o juiz dessa avaliação direta compromete a integralidade da análise fática, o que pode impactar negativamente a precisão da decisão judicial. Além disso, o réu, ao acompanhar os atos processuais e os depoimentos das testemunhas, pode reavaliar sua estratégia defensiva e optar por fornecer esclarecimentos que o beneficiem, ainda que mantenha o silêncio em outros aspectos. Essa flexibilidade na defesa é essencial e só pode ser exercida com a presença do acusado em audiência.

Portanto, a condução coercitiva, quando realizada dentro dos parâmetros legais, não deve ser interpretada como uma medida arbitrária ou uma violação de direitos. Pelo contrário, o artigo 260 do CPP permite a condução coercitiva quando o acusado, após ser devidamente intimado, se recusa a comparecer. Essa medida não deve ser vista como abuso de poder, mas sim como um mecanismo que protege o devido processo legal. O interrogatório, por sua vez, pode ser uma ferramenta valiosa para a defesa do acusado, especialmente em circunstâncias específicas.

Quando o juiz considera excepcionalmente oportunizar o interrogatório, para que a recusa seja legítima, é necessário haver uma renúncia expressa e pessoalmente declarada, uma vez que há várias razões pelas quais uma intimação pode não ser atendida, além do desejo de permanecer em silêncio, como esquecer a data, ocorrer um imprevisto de última hora que impossibilite o comparecimento ou desconhecer a importância do ato para a defesa, entre outros.

O inquérito e a interpretação literal das decisões das ADPFs 395 e 444

A decisão proferida nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental n.ºs 395 e 444, se interpretada em sua literalidade estrita, enfrenta alguns problemas na fase do inquérito.

O pressuposto para a abertura de um inquérito é a notícia de um delito acompanhada de indícios de que ele tenha ocorrido. Não há, necessariamente, um suspeito; pode não haver nenhum, pode haver um, ou vários. É preciso ouvir pessoas. Dentre essas, algumas podem ser suspeitas ou testemunhas; ou seja, o delegado não sabe ao certo se a pessoa a ser ouvida é uma testemunha ou o próprio criminoso. Todos os envolvidos podem se enquadrar nessa situação. Em uma investigação, nem sempre os fatos são claros; a investigação existe justamente para esclarecê-los e apurá-los. Os suspeitos e investigados podem, após serem inquiridos, deixar de sê-lo. As testemunhas, uma vez ouvidas, podem se tornar investigadas. As vítimas, por vezes, acabam se tornando suspeitas ou até indiciadas.

A investigação se inicia em um ambiente de incerteza e precisa de liberdade. O delegado, para realizar seu trabalho investigativo, deve trazer para a Delegacia as pessoas envolvidas, especialmente aquelas que considera suspeitas. Na Delegacia, a suspeita inicial pode se dissipar. O investigado pode surpreender e se transformar em uma valiosa testemunha. O direito da autoridade policial de investigar não pode ser tolhido, cerceado ou impossibilitado.

Há um inquérito. Ainda não há um indiciado. Há um, dois ou três suspeitos que estão sendo investigados. O delegado quer ouvir um deles. Expede uma notificação para que compareça e preste depoimento. Sendo investigado, pode ficar em silêncio. Se falar, pode fornecer uma série de esclarecimentos, revelando-se, na verdade, uma testemunha extremamente útil. No caso de optar por permanecer em silêncio, a autoridade policial, diante dessa reação, pode traçar novas estratégias de investigação.

A conclusão a que se chega é que a interpretação literal da decisão do STF provoca diversos questionamentos e incertezas, não sendo, por consequência, na atualidade, a melhor interpretação.

O direito de se manter calado no interrogatório não inclui o de não comparecimento quando considerado indispensável. Não exclui o direito da autoridade de expor ao investigado a situação, elucidando os prós e contras de se manter calado, o que pode, eventualmente, levá-lo a mudar de ideia. A autoridade, que já possui descrições do agente, pode compará-las pessoalmente com a aparência do investigado, seu modo de falar, movimentos faciais característicos e detalhes específicos de sua fala.

Não se pode retirar o direito desse contato próximo entre o policial e o investigado. Essa aproximação é da essência da investigação. Não serve apenas para reconhecer responsabilidades, mas também para excluí-las. A propósito, como o delegado de polícia poderia representar ao juiz um exame de sanidade mental do investigado, nos termos do artigo 149, parágrafo 1.º, do CPP, sem que lhe seja permitido, ao menos, dar um “bom-dia” ao investigado? Em uma investigação, não há como afastar o investigador do investigado.

Condução coercitiva da testemunha e do perito

Após notificados, não comparecendo, não está impedida a condução coercitiva, com autorização judicial, da testemunha, do perito, de testemunhas e do ofendido.

Doutrina

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo: Conjuntos de direitos são desprezados em conduções coercitivasMigalhas. Um apanhado sucinto e objetivo do Doutor Antônio Pitombo sobre a ilegalidade desse tipo de condução, e por isso mesmo bastante esclarecedor. Doutrina que cria uma maneira de impedir o exercício da ampla defesa no processo penal: determinar judicialmente o interrogatório do suspeito ou investigado, que deve ser conduzido coercitivamente à sede do Departamento de Policia Federal, para ser questionado sobre fatos, objeto de inquérito policial desconhecido do interrogado e de sua defesa. Ouvem-se duas justificativas a essa prática ilegal de investigação criminal: (i) evita-se, com esse interrogatório forçado, a prisão temporária (artigo 1º, da lei 7.960/89); e (ii) trata-se de um novo modelo de persecução penal, que já permitiu a rápida oitiva de centenas de pessoas no âmbito da operação “Lava jato”.+

Guilherme Nucci: Condução coercitiva e o julgamento do Supremo Tribunal Federal: o confronto maniqueístaGuilherme Nucci.

José Roberto Batochio: Gilmar Mendes proibiu Estado de promover “sequestro-relâmpago”Conjur.

José Luis Oliveira Lima: Algumas diligências da PF parecem filmes americanosolimaadvogados.adv.br.

Leonardo Isaac Yarochewsky: Proibição das coercitivas é vitória do Estado de Direito. Conjur.

Ruchester Marreiros Barbosa: A condução coercitiva pode ser necessária à eficácia da investigação. Conjur.

Técio Lins e Silva: Sustentação Oral no STF.  ADPF’s 395 e 444. Condução Coercitiva – vídeo.

Fim

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