Código de Processo Penal Comentado | Flavio Meirelles Medeiros

Artigo 145º CPP – Falsidade documental e procedimento.

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Art. 145. Arguida, por escrito, a falsidade de documento constante dos autos, o juiz observará o seguinte processo:
I – mandará autuar em apartado a impugnação, e em seguida ouvirá a parte contrária, que, no prazo de 48 horas, oferecerá resposta;
II – assinará o prazo de 3 dias, sucessivamente, a cada uma das partes, para prova de suas alegações;
III – conclusos os autos, poderá ordenar as diligências que entender necessárias;
IV – se reconhecida a falsidade por decisão irrecorrível, mandará desentranhar o documento e remetê-lo, com os autos do processo incidente, ao Ministério Público.

Documentos, falsidades material e ideológica

Documentos passíveis de serem objeto de incidente de falsidade: Documento é um papel escrito representativo de um ato, fato ou de um negócio. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares (artigo 232). Só podem ser objeto de arguição de incidente de falsidade aqueles documentos capazes de influir na solução da lide contida no processo, e que será feita através da sentença. Como resume Mougenot, só são passíveis de arguição do incidente de falsidade os documentos que possam influir no deslinde da ação penal (Bonfim, Edilson Mougenout. Código de Processo Penal Anotado. 4ª. ed. Editora Saraiva: 2012).

Falsidades material e ideológica: A falsidade pode ser material ou ideológica. Dá-se falsidade material quando alguém imita ou altera documento público ou documento particular verdadeiro. Já a falsidade ideológica se verifica quando alguém altera a verdade em documento público ou documento particular verdadeiro.

Jurisprudência

Incidente de falsidade. Documento juntado há mais de dez anos. Preclusão: Impugnação após a sentença. Não há nulidade na decisão que indefere pedido de incidente de falsidade referente à prova juntada aos autos há mais de 10 anos e contra a qual a defesa se insurge somente após a prolação da sentença penal condenatória, uma vez que a pretensão está preclusa (…) embora não exista prazo definido em lei para que se possa requerer a instauração do incidente de falsidade documental previsto no art. 145 e seguintes do Código de Processo Penal, o fato é que o ofício expedido pela Polícia Federal que deferiu a citada diligência, acompanhado do respectivo CD, foi juntado aos autos há mais de dez anos (…) a permissão do comportamento em análise representaria violação aos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade, da lealdade processual e da boa-fé objetiva, diante da reabertura da fase de produção de provas mesmo diante da inércia da parte (STJ, RHC 79.834-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 07/11/2017, DJe 10/11/2017 – Informativo 615).

Autuação em apartado, documentos eletrônicos e legitimidade

Obrigação ou não de autuar em apartado: Arguida a falsidade de documento, compete ao magistrado decidir se deverá autuar em apartado o incidente, ou se decide sobre a falsidade no curso da instrução processual. Se a prova da falsidade não for complexa, e sua averiguação não for capaz de prejudicar o regular andamento do processo principal, não se justifica a autuação em apartado.

Presunção de originalidade dos documentos eletrônicos: Conforme o artigo 11 e seus parágrafos da Lei n. 11.419/2006, a qual dispõe sobre a informatização do processo judicial, os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário são considerados originais. Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. A arguição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na forma da lei processual. Os originais dos documentos digitalizados deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória, no caso do processo civil. No caso do processo criminal, a lei nada refere. Cremos que devam ser guardados enquanto não for extinta a pena.

Legitimidade para arguição: A legitimidade para arguir o incidente de falsidade é do Ministério Público, do assistente da acusação, do acusado, do querelante e do querelado. O juiz pode determinar de ofício a verificação da falsidade do documento.

Não suspensão do processo principal e tempestividade da arguição

Não suspensão do processo principal: O incidente de falsidade não suspende o andamento do processo principal. Se a determinação da falsidade for fundamental para a solução da ação penal, essa não poderá ser decidida enquanto não resolvido o incidente.

Tempestividade da arguição: É questão de ordem pública reconhecer se determinado documento capaz de influir no resultado da ação penal é, ou não, falso, pois que a verdade real é indisponível. Disso resulta que não há preclusão para a arguição de falsidade. Por esse motivo, sem razão aqueles que sustentam que a falsidade não pode ser arguida perante os Tribunais. Além do mais, a consideração de que documentos podem ser juntados ao processo a qualquer momento (artigo 231).

Produção de prova, conflito entre acusados e recurso cabível

Produção de prova: As partes possuem o prazo de três dias para oferecer as provas de que dispõem e requerer as que desejam produzir (inquirição de testemunhas, perícia, etc.). A perícia grafotécnica, por exemplo, tem por objetivo determinar autoria de quem escreveu determinado texto. Segundo José Ricardo Rocha, Presidente do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais, “entre as leis que regem a grafoscopia podemos citar a lei elaborada pelo grande perito francês Solange Pellat, que diz: ‘O gesto gráfico está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente e se encontra suficientemente adaptado à sua função.’ Ou seja, todos os nossos lançamentos gráficos são oriundos de nosso cérebro e executados por nós de forma inconsciente, restando aos nossos membros apenas interpretar as ordens cerebrais, e por esta Lei, mesmo que o escritor perca um de seus membros, conseguirá, após algum treino, realizar o mesmo gesto gráfico que executava com o seu membro principal. O maior exemplo deste fato é o de pintores que, após sofrerem algum acidente e ficarem com suas mãos paralisadas, passam a pintar com os pés ou até mesmo com a boca. O Gesto Gráfico torna-se assim uma criação única impossível de ser falsificado, sem que na falsificação apareçam marcas e evidências da tentativa de Fraude e a inclusão de características próprias do falsificador e não do titular do gesto gráfico” (José Ricardo Rocha Bandeira – A perícia grafotécnica nos tribunais brasileiros – Âmbito Jurídico).++

Conflito entre os acusados no incidente de falsidade: Consoante repara Mougenot, em comentários ao presente dispositivo, o conflito, no incidente de falsidade, nem sempre se dá entre acusação e defesa, pode ser entre os acusados, quando duas defesas forem conflitantes e a falsidade do documento favorecer um e prejudicar o outro (Bonfim, Edilson Mougenout. Código de Processo Penal Anotado. 4ª. ed. Editora Saraiva: 2012).

Recurso cabível: O presente artigo 145, em seu inciso IV, diz que, se reconhecida a falsidade por decisão irrecorrível, mandará o juiz desentranhar o documento e remetê-lo, com os autos do processo incidente, ao Ministério Público. Decisão irrecorrível inserta nos dispositivos quer significar depois de esgotados todos os recursos, não que não se possa recorrer da decisão que resolve o incidente de falsidade. O recurso cabível contra a decisão que julga procedente, ou improcedente, o incidente, é o recurso em sentido estrito, em conformidade com o que expressamente prevê o inciso XVIII do artigo 581.

Não autuação e recurso e encaminhamento ao Ministério Público

Não autuação em apartado e recursos cabíveis: Diante da negativa do magistrado em autuar em apartado, descabe qualquer recurso, pois que não há qualquer prejuízo para as partes, na medida em que, uma vez que a arguição de falsidade tenha sido arguida, ela será oportunamente decidida. Decidida, mesmo que seja lançado o veredito no processo principal, e não em autos apartados (em procedimento incidental), a parte pode interpor recurso em sentido estrito, que subirá por instrumento, e a parte indicará as peças dos autos de que pretenda traslado (artigo 587).

Encaminhamento ao Ministério Público: Reconhecida a falsidade documental, o magistrado mandará desentranhar o documento e o remeterá ao Ministério Público. A propósito, o artigo 40 do CPP determina que, quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. O artigo 15 da Lei de Introdução ao CPP preceitua que o documento reconhecido como falso será, antes de desentranhado dos autos, rubricado pelo juiz e pelo escrivão em cada uma de suas folhas.

Fim

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