Art. 107. Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.
Possibilidade de arguir a suspeição da autoridade policial
Declaração espontânea de suspeição: O delegado de polícia, estando presente qualquer uma das hipóteses dos artigos 252 ou 254, deve se declarar suspeito para presidir o inquérito.
Interpretando o artigo 107: Em sua literalidade, o artigo 107 proíbe que o investigado ou indiciado oponha suspeição à autoridade policial nos atos do inquérito, vale dizer, não pode peticionar no inquérito pedindo o afastamento do delegado. A vontade do legislador parece ser outra. É a de vedar o recurso ao Judiciário. É a de blindar a autoridade policial contra qualquer medida judicial que vise a afastá-la com fundamento em suspeição. Nem a literalidade do artigo 107 nem a vontade do legislador estão corretas ou refletem a vontade da lei que, em última análise, é a que vale. É o inquérito policial que, na maioria das vezes, fundamenta a ação penal. Nele se encontram os indícios e provas relativos à autoria e à materialidade. A base, o substrato da ação penal está no inquérito. É o inquérito policial que viabiliza a justa causa para a ação penal. São inadmissíveis, inaceitáveis, implausíveis e eticamente intoleráveis inquéritos presididos pelo pai do ofendido, pelo irmão do ofendido, pela vítima do crime. A sustentação da ação penal está no inquérito. Esse assento não pode vir viciado pela suspeita e pela desconfiança, beirando a imoralidade. Se o processo penal se torna indigno, a Justiça criminal cai em descrédito. Exige-se certo recato, decência, discrição do processo criminal. Processo fundado em inquérito presidido por delegado suspeito, e que se recusou a se declarar como tal, descumprindo sua obrigação legal, é processo desprovido de causa justa. Ao contrário, dotado de causa suspeita. Importante, ainda, a consideração de que há provas que são realizadas na fase do inquérito que não podem ser renovadas em juízo. Somente o suspeito as terá presidido. Diante dessas considerações, conclui-se que pode, sim, ser oposta suspeição ao delegado de polícia. Pode ser oposta diretamente a ele. Se recusar, o recurso administrativo é para seu superior hierárquico, que, no caso do Estado do Rio Grande do Sul, é o Chefe de Polícia. O indiciado pode também ingressar com habeas corpus, objetivando afastar o delegado de polícia da presidência do inquérito. Além de todos os argumentos aqui colocados relativos à possibilidade de afastar a autoridade policial suspeita da presidência do inquérito, há mais um: se é possível afastar a participação, na fase do inquérito, tanto do órgão do MP quanto do juiz suspeitos, conforme examinado no subtítulo Exceção de suspeição do juiz e do MP na fase do inquérito do título Exceção de suspeição, procuração com poderes especiais e testemunhas, em comentários ao artigo 98, por que não seria possível afastar a autoridade policial? Caso o processo esteja em andamento com a denúncia oferecida e recebida, falta-lhe justa causa, sendo cabível o habeas corpus direcionado ao tribunal. A suspeição do delegado de polícia se estende, por analogia, ao escrivão de polícia designado para o inquérito (artigo 274 do CPP). A suspeição não é motivo para a anulação do processo. Não se cogita de nulidade, mas de ausência de justa causa.
Jurisprudência
Suspeição da autoridade policial não anula o processo: A suspeição de autoridade policial verificada em inquérito não é motivo para a anulação do processo penal (RHC 131.450, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-5-2016, DJE de 17-5-2016 – Informativo 824, Segunda Turma).
Suspeição da autoridade policial não anula o processo: A ausência de afirmação da autoridade policial de sua própria suspeição não eiva de nulidade o processo judicial por si só, sendo necessária a demonstração do prejuízo suportado pelo réu (REsp 1.942.942-RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/08/2021).