Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Revogação e novo decreto de preventiva
Dever do juiz:
A leitura atenta do artigo 316, caput, revela que o termo “poderá” deve ser compreendido como um verdadeiro dever judicial. O magistrado deve revogar a prisão preventiva quando não subsistirem os motivos que fundamentaram sua decretação inicial. Da mesma forma, caso surjam novas razões que justifiquem a medida, o juiz deve decretá-la novamente.
Desacautelamento:
O juiz não pode, de ofício, acautelar. Pode, de ofício, desacautelar. Acautelar é impor cautelar onde ela não havia. É, também, substituir cautelar menos grave por outra mais grave. Desacautelar é revogar cautelar ou substituir cautelar mais grave por menos grave.
Nova prisão e necessidade de requerimento da parte:
O juiz pode, segundo o caput da disposição em apreço, “de novo decretar a prisão, se sobrevierem razões que a justifiquem”. A literalidade pode dar a impressão que o juiz pode reaplicar a preventiva de ofício. Não pode. A leitura deve ser sistemática tendo em conta o disposto no artigo 282, parágrafo 2o, conforme o qual as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
Substituição:
A preventiva pode também ser substituída por medida cautelar diversa da prisão (artigo 319).
Excesso de prazo:
Se a preventiva foi relaxada por excesso de prazo, não pode ser novamente aplicada.
Oitiva de todas as testemunhas:
Se a preventiva havia sido decretada por conveniência da instrução criminal, tendo em vista que o acusado estava tentando influir no depoimento das testemunhas, não há razão para manter a prisão após a inquirição destas.
Revisão da preventiva a cada 90 dias
Vista às partes:
A revisão da prisão preventiva a cada noventa dias foi introduzida não em favor dos poucos presos que dispõem de recursos para constituir advogados, mas sim em benefício da maioria dos presos, que são assistidos de forma precária. O problema do esquecimento no reexame dos requisitos da preventiva e dos direitos dos presos é grave. Para minorar essa situação, a partir de 2008, o Conselho Nacional de Justiça passou a organizar e incentivar mutirões carcerários. Conforme informações constantes no portal do CNJ, “os esforços concentrados resultaram na análise de cerca de 400 mil processos, com mais de 80 mil benefícios concedidos, como progressão de pena, liberdade provisória, direito a trabalho externo, entre outros. Pelo menos 45 mil presos foram libertados por terem cumprido suas penas”.
Conclui-se, portanto, que não foi por mero acaso que o legislador conferiu nova redação ao artigo 316 e seu parágrafo único, por meio da Lei n. 13.964/2019. No entanto, a literalidade do normativo mencionado deixa a desejar. É preciso interpretá-lo adequadamente, à luz dos princípios acusatório, da ampla defesa e do contraditório, este último em sua máxima expressão. A acusatoriedade não significa apenas que o juiz não deve buscar provas por conta própria; implica também que se deve evitar que o juiz examine provas de forma solitária, sem a colaboração contraditória das partes. A imparcialidade do juiz deve ser sempre cultivada.
No tocante à ampla defesa, entende-se que a defesa, mais do que ninguém, está em posição de avaliar o que é melhor para o acusado. A cada noventa dias, o juiz deve proceder à revisão da preventiva, e de ofício, conforme a expressão legal. Contudo, “de ofício” não significa que o juiz deva, sozinho, examinar a necessidade de manutenção da preventiva. Significa que ele deve, periodicamente e por iniciativa própria, dar início ao procedimento de revisão.
Não é do interesse da defesa que o juiz, durante o curso da instrução, fique repetidamente analisando as provas de maneira inquisitiva, para fiscalizar e buscar – como consequência – a presença de requisitos para a manutenção da cautelar. Tal repetição pode ser prejudicial à preservação da imparcialidade. Assim, questiona-se: o que deve o juiz fazer “de ofício”? Deve dar início ao procedimento de reexame dos requisitos da preventiva. Para isso, o primeiro passo é dar vista dos autos à defesa, que deverá se manifestar fundamentadamente, requerendo a revogação da cautelar. Alternativamente, a defesa pode devolver os autos em silêncio, sem qualquer requerimento, após ter tomado ciência dos mesmos.
Não se requer o relaxamento da preventiva quando a situação probatória processual é inadequada. É uma negação da ampla defesa submeter o juiz a um conjunto probatório desfavorável ao acusado. Defesa sem técnica é defesa deficiente. Com ou sem requerimento de relaxamento da prisão, os autos devem ser remetidos ao Ministério Público, que deverá se manifestar a favor ou contra a manutenção da prisão. Em seguida, o juiz decidirá. Havendo requerimento de relaxamento da prisão, o juiz deverá se manifestar examinando os fundamentos apresentados por ambas as partes. Na ausência de tal requerimento, basta que o juiz despache a devolução dos autos ao cartório.
Essa solução interpretativa complementa o princípio constitucional do contraditório. O parágrafo 3º do artigo 282 prescreve que o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária para que se manifeste. A analogia aqui se impõe: o pedido de manutenção da preventiva por parte do Ministério Público é uma reclamação de caráter permanente, ou seja, persiste enquanto não houver manifestação em sentido contrário por parte desse órgão. Essa é a revisão de ofício, ou melhor dizendo, o procedimento de revisão de ofício. É a medida que o juiz deve adotar a cada noventa dias.
E se o procedimento for omitido? Diante da impetração de habeas corpus com fundamento na não reavaliação tempestiva da preventiva, a revisão feita após a impetração do habeas corpus não afasta a ilegalidade; e, em princípio, há ilegalidade da prisão. Em princípio, ressalve-se: razões de ordem pública e uma demonstração fundamentada para a não realização tempestiva da revisão podem, eventual e excepcionalmente, afastar a ilegalidade
Entendimento contrário. Decisão proferida nas ADIs 6581 e 6582
Não observância não acarreta ilegalidade da prisão
(i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
(ii) o art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se até o final dos processos de conhecimento, onde há o encerramento da cognição plena pelo Tribunal de segundo grau, não se aplicando às prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda instância ainda não transitada em julgado;
(iii) o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se, igualmente, nos processos onde houver previsão de prerrogativa de foro.
Em resumo, na decisão vinculante acima ficou decidido que a revogação da preventiva não é automática (1); havendo sentença condenatória da segunda instância não se faz necessária a revisão a cada 90 dias (2); a revisão é aplicável onde há prerrogativa de foro (3).
Sentença condenatória com preventiva:
Revisão após a decisão do Tribunal
Havendo sentença condenatória em segunda instância e preventiva decretada não se faz mais necessária a revisão periódica, o que não impede de a defesa requerer, a qualquer momento, sua revogação.
Segundo as palavras da lei quem revisa é o órgão emissor. Acresce que o excesso de prazo da prisão sem condenação deve estar sob a vigilância da defesa, do juiz e do MP. É do interesse da justiça.
Jurisprudência
A obrigação de revisar é de quem decreta: A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva (HC 589.544-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 22/09/2020).
Inobservância do prazo nonagesimal: A inobservância do prazo nonagesimal do art. 316 do Código de Processo Penal (CPP) (1) não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos (SL 1395 MC Ref/SP, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 14 e 15.10.2020).