Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
O que faz coisa julgada no cível
Excludentes de antijuridicidade reconhecidas na sentença criminal:
Do ponto de vista de sua estrutura, o delito é o fato típico, antijurídico e culpável. A antijuridicidade é a contrariedade da ação com o direito, é a oposição entre o fato e a lei. Há causas que excluem a antijuridicidade. São elas o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito (artigo 23 do Código Penal). Matar alguém é crime. Matar alguém em legítima defesa não é. Não é, porque a legítima defesa exclui a antijuridicidade, exclui a contrariedade ao direito da ação de matar alguém. Tudo isso dito na área criminal. Vamos à área cível. O artigo 65, ora em exame, expressa que as excludentes de antijuridicidade fazem coisa julgada no cível. Nessa área, na cível, diz o artigo 188 do Código Civil que “não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”. Uma vez que seja reconhecido no processo crime que o ato foi praticado com conformação excludente de antijuridicidade, essa declaração faz coisa julgada no cível, onde não há de se cogitar de ato ilícito.
Excludentes de culpabilidade:
Excluem a culpa a coação moral irresistível (artigo 22 do CP), a obediência hierárquica (artigo 22 do CP), erro de proibição escusável (artigo 21 do CP), inexigibilidade de conduta diversa e embriaguez fortuita (artigo 28, parágrafo 1o do CP), a inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (artigo 26, caput) e a menoridade (artigo 27 do CP). Não faz coisa julgada no processo civil o reconhecimento da ausência de culpa no processo criminal.
Legítima defesa putativa:
É discutido na doutrina se na legítima defesa putativa há ou não dolo, se o erro é de tipo ou de proibição. Preferimos deixar esses debates para os penalistas. Importa que, com certeza, a legítima defesa putativa não exclui a antijuridicidade. Sendo assim, o reconhecimento dela, na sentença criminal, não impede a reparação do dano na ação civil. Aquele que se defende “presumindo” uma agressão pode assim ter agido mais por fatores psíquicos internos do que por um comportamento real da vítima. Ou não. Pode a vítima ter dado efetiva causa à reação. Há culpas nesse jogo a serem examinadas e sopesadas. Pode ser culpa exclusiva de um, ou de outro. Pode ser, inclusive, de ambos, e, neste caso, as culpas se compensariam. O que pode ser plenamente justificável na seara criminal, considerando o contexto interno da psique daquele que age supondo uma agressão, nem sempre o é no juízo cível. São as razões, portanto, pelas quais a legítima defesa putativa não faz coisa julgada. A culpa do acusado, e também a daquele que ele supôs agressor, quem sofreu o dano (autor da ação civil), serão examinados no foro cível.
Decisão do STF proibição da legítima de defesa da honra:
O Supremo Tribunal Federal, na Arguição de descumprimento de preceito fundamental 779, vedou o direito à da legítima defesa da honra. Como segue: É procedente o pedido formulado na presente arguição de descumprimento de preceito fundamental para: (i) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência, (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento; (iv) diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade, na hipótese de a defesa ter-se utilizado da tese com esta finalidade. Por fim, julgou procedente também o pedido sucessivo apresentado pelo requerente, de forma a conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 483, III, § 2º, do Código de Processo Penal, para entender que não fere a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri o provimento de apelação que anule a absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, possa implicar a repristinação da odiosa tese da legítima defesa da honra.
Exame crítico da decisão do STF:
A decisão, com efeito vinculante, é equivocada. Viola cláusula pétrea constitucional contida no artigo 5o,inciso X, da CF, a saber, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Afirmar que inexiste e que não pode ser alegado ou reconhecido o direito à legítima defesa da honra de forma absoluta, como o fez o tribunal superior, é desacerto. Se a tese for utilizada para justificar, no Tribunal do Júri, o comportamento do acusado nos casos de adultério ou relacionamentos extraconjugais, evidentemente há, na espécie, caso aceita a tese, decisão contrária à prova dos autos, o que sujeita o acusado a novo julgamento. Aliás, mais que isso, a sentença do juiz-presidente é contrária à lei expressa (artigo 593, inciso III, letra b), o que autoriza devolver o processo ao júri quantas vezes se fizer necessário. A tese é ineficaz para justificar crimes graves de violência contra mulheres e outras formas de abuso. A proteção da vida, outra cláusula pétrea, prevalece sobre conceitos de honra que incentivem ou justifiquem reações desproporcionais. Porém, restringir peremptoriamente o direito de sustentar a legítima defesa da honra, como se ele fosse um alienígena na ordem jurídica é exagero. Todo acusado deve ter o direito de apresentar defesa que considerar relevante para seu caso. A legítima defesa é justificadora do comportamento quando o agente age, moderadamente, para proteger sua integridade moral ou a de sua família, e não com a intenção de punir ou retaliar. Damos exemplo: se alguém, publicamente, tem sua família, sua mulher, suas filhas difamadas gravemente em sua honra, desfere um tapa no rosto do agressor (vias de fato – artigo 21 da Lei de Contravenções Penais), sua conduta está protegida pela excludente de antijuridicidade da legítima defesa da honra. Enfim, a intromissão do moralismo e do populismo, legislativo ou judiciário, não fazem bem à saúde da ordem jurídica.
Se inexiste absolutamente o direito à defesa da honra é porque a honra não é bem jurídico a ser protegido. Logo, é consequência lógica, não existem mais crimes contra a honra, dado que o que não é bem jurídico não dispõe de razão para proteção. Estão implicitamente revogados os artigos 138 a 146 do Código Penal, que fazem previsão dos crimes contra a honra, calúnia, difamação e injúria. Se a honra não merece proteção, então os crimes contra a honra são sombras de um direito que não tem mais razão de ser. O círculo do direito de liberdade foi inflado. Os fofoqueiros podem sair por aí a contar mentiras sobre todos. Pois, como seguidamente repete Nelson Hungria, em sua obra monumental Código Penal Comentado, a melhor forma de validade de uma tese é examinar se ela não leva ao absurdo.
Destruição de coisa alheia ou lesão a pessoa:
Não constituem atos ilícitos a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente (artigo 188, inciso II, do CC). Porém, se a pessoa lesada ou o dono da coisa não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram (artigo 929 do CC). Se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado (artigo 930 do CC). Em outras palavras, se alguém, agindo em legítima defesa, fere terceiro por erro, tem de reparar o dano, todavia possui ação regressiva contra o agressor. É a mesma solução para o caso de ação em estado de necessidade.